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11 ANOS DA LEI MARIA DA PENHA. Uma conquista que merece ser comemorada

Por, Carlos Eduardo Basso / Advogado - OAB-RS 63.711

Matéria Publicada em: 21/08/2017

Recentemente, no dia 07 de agosto de 2017, comemorou-se 11 anos da implantação da Lei nº 11.340/06 também denominada "Lei Maria da Penha". Sem sombra de dúvidas um marco histórico na Legislação brasileira.

A referida Lei é uma homenagem à biofarmacêutica Maria da Penha Maia Fernandes, que virou símbolo da luta contra a violência familiar e doméstica no Brasil, em especial contra às mulheres.

Para conhecimento de como desencadeou a criação da referida lei, o caso teve início em 1983, quando Maria da Penha sofreu duas tentativas de homicídio por parte do ex-marido Marco Antônio Herredia Viveros.

Na primeira tentativa de homicídio, com arma de fogo, deixou-a paraplégica e na segunda por eletrocussão e afogamento. O agressor foi julgado duas vezes pelos tribunais locais (1991 e 1996), e devido aos sucessivos recursos contra as decisões do tribunal do júri, sempre permaneceu solto.

Frente a estes acontecimentos e na demora da solução definitiva do processo o que poderia acarretar a prescrição da punição de seu ex-marido, Maria da Penha Maia Fernandes decidiu denunciar o Estado brasileiro na Comissão de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA), sendo que em 2001, a Comissão responsabilizou o Estado brasileiro por negligência e omissão na forma como os casos de violência contra a mulher eram tratados, ficando o Brasil obrigado a cumprir algumas recomendações, dentre as quais, a criação de uma lei que desse uma maior proteção à mulher em casos de violência doméstica e punição ao agressor.

Assim, em 07 de agosto de 2006 foi sancionada a Lei nº 11.340/06 denominada de Lei Maria da Penha. O agressor de Maria da Penha finalmente em 2003 foi preso.

Porém, passados 11 anos desde a vigência da referida Lei, que por sinal é uma das melhores no mundo em se tratando da matéria, há muito ainda que ser mudado em nosso País para que a Lei possa ser efetivamente cumprida.

A realidade atual é que vivemos uma crise orçamentária, que impede a contratação de mais servidores, afetando assim a estrutura judiciária a qual fica dependendo do Executivo para por em prática algumas medidas básicas que poderiam dar maior efetividade no cumprimento da Lei.

Apenas para se ter uma ideia, em 2016 uma em cada três mulheres sofreu algum tipo de violência seja física, psicológica, moral ou patrimonial. Em média, 503 brasileiras, a cada hora, prestam queixa de violência física.

Segundo a ONU, o Brasil continua no 5º lugar no ranking de homicídios contra as mulheres (Feminicídio) em todo o mundo. Um dado ainda mais preocupante é de que a maior parte das mulheres ainda se cala, ou seja, 52% das vítimas não prestam nenhum tipo de queixa.

Mas, por qual razão a grande maioria das mulheres vítimas de violência ainda se cala diante da existência de uma Lei que lhe ampara? A resposta é simples. Mulheres e meninas são mortas, com mais frequência, na esfera doméstica, normalmente por seus namorados, companheiros, ex-companheiros, maridos, ex-maridos, pais, avôs, etc., local em que deveriam estar mais protegidas.  

Geralmente possuem uma relação de dependência financeira e afetiva com o agressor, além do medo e a vergonha da sociedade. Muitas vezes por desconhecimento de seus direitos, cria-se um sentimento de impunidade, levando a vitima a se calar não denunciando assim seu agressor.

Infelizmente ainda vivemos numa sociedade machista onde as agressões contra as mulheres são naturalizadas, resquícios de uma cultura patriarcal que ainda encontra-se enraizada no seio da humanidade.

Tolerar a violência contra a mulher é um padrão sociocultural.  A reversão deste padrão depende da mudança, que só poderá acontecer por meio da educação e da punição.

Em contrapartida a Lei Maria da Penha nestes 11 anos teve um grande avanço, afinal se temos pouco hoje, anteriormente não tínhamos nada. Referida Lei engloba importantes aspectos preventivos e repressivos, contempla medidas protetivas de urgência que são importantes para prevenir crimes mais graves.

Na grande maioria dos casos uma medida protetiva é resolvida em 24 horas, resguardando assim a integridade física e moral da vítima. O agressor será sempre processado, se houver indícios de autoria e prova da materialidade, não sendo mais possível o mesmo ser beneficiado pela transação penal ou suspensão condicional do processo.

Desde a criação da Lei Maria da Penha temos muito a comemorar, afinal muitas vidas foram salvas em razão da existência da Lei, pois a norma possibilita a prisão em flagrante e a prisão preventiva do agressor, a depender dos riscos que a vítima corre.

Outro avanço na aplicação da Lei 11.340/06 é que em decisões recentes os Tribunais de Justiça tem aplicado as normas da Lei nas relações homoafetivas, pois no momento em que se reconheceu através do STF a união estável  entre pessoas do mesmo sexo, esta passou a ser considerada como uma entidade familiar.

Neste sentido, desde que convivendo em ambiente familiar, em uma relação íntima de afeto, as uniões homoafetivas entram no campo de proteção da Lei Maria da Penha. Porém este entendimento não é unânime no Poder Judiciário, devendo a aplicação ser analisada caso a caso, mas já é um grande avanço.  Neste sentido é de grande valia mencionar o voto do Ministro Sálvio de Figueiredo, do Superior Tribunal de Justiça, no qual nos ensina que:

A vida, enfatizam os filósofos e sociólogos, e com razão, é mais rica que nossas teorias. A jurisprudência, com o aval da doutrina, tem refletido as mudanças do comportamento humano no campo do direito de família.

Como diria o notável De Page, o juiz não pode quedar-se surdo às exigências do real e da vida. O direito é uma norma essencialmente viva. Está ele destinado a reger homens, isto é, seres que se movem, pensam, agem, mudam, se modificam.

O fim da lei não deve ser a imobilização ou a cristalização da vida, e sim manter contato íntimo com esta, segui-la em sua evolução e adaptar-se a ela (...) Em outras palavras, a interpretação das leis não deve ser formal, mas sim, antes de tudo, real, humana, socialmente útil (RSTJ 129/364)

Por fim, o compromisso com o combate à violência doméstica deve envolver toda a sociedade, mulheres e homens, o sistema de justiça e os poderes de Estado.

A questão, muito além dos aspectos jurídico normativos, diz respeito a aspectos sócio culturais de uma sociedade patriarcal e de origem escravocrata. Enquanto não transformarmos a cultura, dificilmente diminuiremos a contento os altos índices de violência contra as mulheres.

Como já dito nem tudo está perdido, pois houve grandes conquistas. Assim, podemos considerar a Lei Maria da Penha um símbolo de luta e ferramenta de ruptura capaz de reescrever a história de toda uma sociedade, a Lei Maria da Penha é um patrimônio humano e igualitário.

Dr. Carlos Eduardo Basso

Advogado – OAB/RS 63.711      

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