📍 Finalmente, os que comandam nossas engrenagens e, por que não, nossos esqueletos históricos se renderam ao argumento inevitável: preservar a memória é importante. Eis que anunciam com fanfarra a restauração do prédio da antiga Intendência de Ijuí, erguido em 1903, símbolo do arranque institucional da Vila de Ijuhy. Agora esse monumento será transformado em Espaço Cultural, com recursos da LIC-RS, orçado em R$ 1,5 milhão. Prestemos palmas, enfim alguém descobriu que história faz bem para imagem e urbanismo.
Mas permitam-me uma reflexão entre gargalhadas cortesãs: somos a Capital Nacional das Etnias, título concedido pela Lei 14.280/2021, e, paradoxalmente, tanto patrimônio foi arrancado à marretada da modernidade, sem defesa, sem tombamento, sem políticas de proteção contundentes. Quantos casarões viraram ruínas ou deram espaço a concreto cinza? Quantos testemunhos de futuro foram deixados no passado para apagar-se?
Tomemos por exemplo o Hotel Glitz, um dos primeiros da cidade, erguido entre 1906 e 1911, na Rua do Comércio, como símbolo de hospitalidade e progresso. Pois é, no dia 15 de junho de 2025, ele foi demolido, extinto, desaparecido, irreversível. Só não viram ou não quiseram ver que ali existia um diálogo com o tempo, um monumento da diversidade cultural que ajudou a tecer a identidade local.
Ora, que façamos leis e campanhas sérias de preservação. Que se instituam tombamentos, zonas históricas, subsídios para restauração e fiscalização rígida. Que não nos contentemos com conserto simbólico de um prédio aqui, outra fachada ali, como quem acende vela para esquecer que o fogo consumiu a floresta inteira. Observe-se Ouro Preto, Olinda, Antônio Prado: cidades que guardam seus traços, que mostram na paisagem cotidiana quem foram e de quem são.
Se nada fizermos além de reabilitar um prédio isolado, continuaremos a ser Capital das Etnias apenas no papel, em discursos, em folder turístico e em parque temático, sem que uma só rua, uma só janela, um só telhado conte de fato essa história. Que sejamos mais do que um título, que sejamos carta viva de etnias. E que as gerações futuras não nos chamem de fenômeno de demolição, mas aprendam a mexer levemente nas fachadas, a restaurar sinuosidades, a cantar do tempo com consciência.
Porque cultura sem ação é palavra vazia, e memória sem defesa é epitáfio do descuido. A restauração que não se estende à cidade inteira é apenas maquiagem do esquecimento.
Luis Fernando Arbo - Advogado
Elogio caricato à conversão tardia