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“Sou humano, nada do que é humano me é estranho” (Terêncio)

Por, Elaine dos Santos - Professora Doutora em Letras

Matéria Publicada em: 03/05/2018

A sedutora Paris, capital da França, que anualmente atrai milhares de visitantes, nem sempre foi assim. Um labirinto de ruas, cafés, restaurantes, galerias e museus, em meados do século XIX, espalhava-se por toda a cidade, que abrigava pobres, ricos, ratos, esgotos fétidos.

Napoleão III, sobrinho e herdeiro de Napoleão Bonaparte, assumiu o governo francês em 1851, permanecendo até 1870, tendo sido responsável para maior reforma urbana já protagonizada na história, ao lado do prefeito de Paris, Georges-Eugene Hausmann. Objeto de críticas, a transformação radical de Paris, entre outros objetivos, propunha-se a por fim aos contínuos surtos de cólera e tifo que infectavam a cidade, assim como levar para bem longe os pobres que se “enfiavam” entre becos e vielas.

O genial poeta Charles-Pierre Baudelaire, cuja produção artística eu conheci no doutorado em Letras, viveu esse período e representou em um poema em prosa as diferenças sociais daquela Paris que se abria em grandes bulevares, frondosos cafés e naquela barafunda chamada “Place l’Etoile”, o conjunto de avenidas radiais que partem do Arco do Triunfo. Trata-se de “Os olhos dos pobres”, mais do que retratar uma época, o poema de Baudelaire põe frente a frente o ser humano e a miséria física, mas também a miséria da alma (que se faz tão atual nos dias correntes).

Um jovem casal apaixonado, cheio de planos de um amor que duraria para sempre, senta-se em um café na esquina de um novo bulevar, ainda sujo de entulho, mostrando esplendores inacabados. Diante dos dois jovens, plantados na calçada, um homem, cerca de 40 anos, barba grisalha, carrega um menino pela mão e leva outro menor em seu braço. Todos em farrapos. Todos contemplavam a beleza do novo café e, nos olhos do menino, havia a indagação: como pode algo tão bonito estar disponível apenas para alguns? Os olhos do menor eram só fascínio, expressão estúpida daquele que desconhece a complexidade do mundo. Enquanto o jovem, entre os apaixonados, se enternece e amolece o coração, envergonhado com a fartura da mesa, a mulher permanece fria: "Essa gente é insuportável, com seus olhos abertos como portas de cocheira! Não poderia pedir ao maître para os tirar daqui?"

Somente quando chegamos ao final do poema, entendemos a sua frase inicial: “Quer saber por que a odeio hoje?”, que se completa com outra: “Como é difícil nos entendermos, querido anjo, e o quanto o pensamento é incomunicável, mesmo entre pessoas que se amam!

Para quem não me entendeu, finalizo com um pensamento atribuído a Terêncio, poeta e dramaturgo romano: “Sou humano, nada do que é humano me é estranho.” Desconfio sempre de quem é incapaz de exercitar a empatia, a compaixão diante do sofrimento alheio.

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras

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