Pedofilia e abuso sexual infantil são temas relacionados, mas são situações diferentes. Embora seja um distúrbio psíquico, a pedofilia é, erroneamente, considerada um crime. E esse é um dos erros mais recorrentes envolvendo o assunto de violência contra crianças.
Todo abusador é pedófilo? Que terminologia deve ser usada para falar de abusos contra crianças e adolescentes? Como conversar com uma criança para saber se ela está sendo vítima de uma prática pedófila? Veja, abaixo, respostas para essas e outras perguntas sobre o tema:
Pedofilia é crime?
Não. Pedofilia é considerada uma parafilia, ou seja, um distúrbio psíquico caracterizado pela preferência ou obsessão de prática sexual com uma criança. Faz parte da lista de "desordens de preferência sexual" da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Segundo o advogado Ariel de Castro, cofundador da Comissão dos Direitos da Criança e do Adolescente da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), mesmo no meio jurídico existe a confusão de dizer que alguém cometeu o crime de pedofilia. Há, inclusive, uma proposta na Câmara dos Deputados, o projeto de lei 1776/15, para incluir "crimes de pedofilia" na lista de crimes hediondos. O PL foi aprovado pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania e aguarda votação em plenário.
"A terminologia se refere a pensamentos, desejos. Só se torna crime quando existem práticas pedófilas, e esses atos a lei já abarca", afirma Castro.
Então, quais são os crimes?
Quando há prática sexual, considera-se estupro de vulnerável, segundo o artigo 217-A do Código Penal, que caracteriza o crime como "ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 anos."
O ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) também tipifica uma série de crimes contra menores relacionados a práticas pedófilas, como exibir, armazenar ou reproduzir "fotografia, vídeo ou outra forma de registro que contenha cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente". O ECA, porém, contempla vítimas de até 12 anos - pois essa é idade máxima para considerar que uma pessoa é criança, segundo a legislação brasileira.
E se a vítima for maior de 12 anos?
Se tiver até 14, ainda é estupro de vulnerável. Se for maior de 14, o crime é julgado como estupro, de acordo com a lei que também vale para adultos e está estabelecida pelo artigo 213 do Código Penal: "constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso". A pena, de seis a dez anos, é menor do que a de estupro de vulnerável, que é de oito a 15 anos.
Se houver produção, exibição ou armazenamento de imagens sem consentimento da vítima maior de 12 anos, o crime será enquadrado pela legislação de crimes cibernéticos.
Em 79% dos casos, os abusos são praticados na residência da vítima. Por quê
Porque os abusadores, no geral, são pais, padrastos, avôs, tios, primos ou pessoas próximas à família, que frequentam o ambiente em que a criança vive. Segundo a psicóloga Dalka Chaves, especializada em violência doméstica contra crianças e adolescentes pela USP (Universidade de São Paulo), esse índice se repete em todo o mundo. "E é comum que a pessoa que comete o crime também tenha vivido um abuso na infância", afirma Dalka, autora do livro "Violação de Direitos de Crianças e Adolescentes".
Todo pedófilo é abusador?
Não. O que define um pedófilo é o fato de ele ter desejos sexuais quase que exclusivamente por crianças. E esse desejo pode se restringir ao campo de suas fantasias, sem que ele as pratique. Nesse caso, não há abuso e, portanto, também não há crime. Já o abusador é quem comete agressão sexual contra um menor e, portanto, um criminoso. Na maioria das vezes, a pedofilia acontece em uma escalada", explica a piscóloga Arlete Scodelario, coordenadora do CNRVV (Centro de Referência às Vítimas da Violência) do Instituto Sedes Sapientia. "Primeiro o pedófilo fantasia, depois, procura imagens na internet - e aí já está cometendo um crime -, para então chegar ao ponto de realizar o ato de agressão sexual."
Quando uma criança diz ser abusada, como saber se ela está falando a verdade
Quando uma criança que foi abusada dá seu relato, o faz com muito sofrimento, segundo Dalka. "Ela demonstra tristeza, chora e, normalmente, olha no olho do interlocutor para ver se a pessoa está entendendo e como está reagindo", diz. Essa postura é diferente, caso seja invenção. "Quando mente, ela vai contar a história como se fosse qualquer outra, e quando a repetir, vai mudar detalhes entre as versões. Se for verdade, o depoimento será sempre o mesmo."
Como conversar com a criança para que ela conte o que está acontecendo?
A orientação é evitar fazer perguntas diretas e demonstrar pânico. Quando a criança sente isso, ela entende que pode ter feito algo de errado ou que uma pessoa que ela gosta - já que na maioria dos casos, o abusador é alguém próximo - errou. "Aí ela se assusta, se fecha e deixa de dar uma informação importante", afirma o psiquiatra Alexandre Saadeh, professor da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo) e especialista em sexualidade. Uma sugestão é perguntar do que a criança brinca com uma pessoa de quem se desconfia. "Perguntar, com calma, como o 'tio' brinca com ela e se ela já brincou da mesma coisa em casa é uma alternativa. Nessa conversa, funciona intercalar outro assunto e depois voltar ao tema inicial."
Por, Camila Brandalise - Da Universa
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