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Só sei que nada sei (isso é plágio!)

Por, Profa Dra. Elaine dos Santos

Matéria Publicada em: 15/02/2019

Sempre que algum “sábio”, “douto” em Ciências Sociais e Políticas formado na UniZap começa a falar sobre as soluções para o Brasil, eu coloco um sorriso no canto da boca e pergunto o que é “servidão”. A resposta é sempre a mesma e relaciona-se à condição de ser humano submetido à escravidão. Para demonstrar que o brasileiro desconhece o Brasil – e estou me referindo a uma região muito próxima, de colonização portuguesa, a ilha de Florianópolis, eu “ensino” que servidão são vielas, ruelas, pequenas passagens no meio das quadras (em geral, no meio de propriedades particulares). E os formadores de opinião, com sua sapiência rasa, querem manifestar-se com base num conhecimento que não possuem.

            Pensei nisso durante a semana passada. Reli oito romances, mais ou menos, em sequência. “Xarqueada” (1937), do baiano Pedro Wayne, obra grafada assim com “x” por sugestão de Oswald de Andrade e Jorge Amada, narra uma tentativa de greve numa estância saladeiril (charqueada) e a tomada de consciência dos trabalhadores sobre as condições miseráveis de trabalho a que eram submetidos, tendo como contraponto Dionisio e Vera, os estancieiros, ávidos pelo lucro a qualquer custo. “Memórias do Coronel Falcão” (escrita em 1937, mas só publicada em 1873), de Aureliano de Figueiredo Pinto, conta a história de um rico fazendeiro, sem filhos, que se aventura na política local. A sua ascensão e queda política, os conchavos, a dilapidação das suas riquezas, os casos amorosos se sucedem, até que, ao final, ele conclui que nasceu para viver na estância, apartado daquele mundo “falso”, diferente dos valores que proclamava.

            Dedicar-se à leitura da literatura gaúcha da década de 1930 e não reler a trilogia do gaúcho a pé, de Cyro Martins, é uma heresia. “Sem Rumo” (1937) é a história de Chiru (assim, sem nome), sem pai, sem mãe, criado numa fazenda, atormentado pelo capataz, decidi seguir tropas militares, deserda, resolve morar na cidade, mas descobre que não tem qualquer habilidade profissional para o mundo urbano, casa-se, tem um filho. Chiru chega à prisão. Em “Porteira Fechada” (1944), João Guedes e a família são expulsos da terra que arrendavam porque o novo proprietário queria aquela invernada para engorda do gado. Ao transferirem-se para a fictícia cidade de Boa Ventura, a família vai empobrecendo, desagregando-se. Diante da miséria, Guedes torna-se ladrão de ovelhas, descoberto, é preso. No regresso para o lar, vende os arreios, última lembrança dos tempos da lida campeira, suicida-se. “Estrada Nova” (1954) abre uma esperança nem tanto ao velho Jagunta, o agregado das terras do Coronel Teodoro, mas na figura de Ricardo, seu filho, que deixara a campanha, mas não perdera o amor pela terra.

            Por fim, mas não menos importante, cumpre mencionar a trilogia da campanha: “Fronteira agreste” (1944), “Caminhos do Sul”(1945) e “Casas acolheradas” (s/d), do mineiro Ivan Pedro de Martins. As três obras, a exemplo de “O cortiço”, de Aluizio de Azevedo, são romances coletivistas, as personagens não são indivíduos ou grupo de indivíduos, mas coletividades. Em “Fronteira agreste”, o foco recai na Estância Santa Eulália, entre 1939 e 1943, emergem as transformações porque passavam os latifúndios na fronteira sul do estado (há uma cena que provocou polêmica à época de sua publicação: o peão que espera a prenda para um encontro de amor nas dependências dos galpões e...oh! ela é deflorada!!). Em “Caminhos do Sul”, o enfoque é os corredores, espaço entre as estâncias, teoricamente, terra de ninguém, em que se localizam os miseráveis casebres dos desempregados, expulsos das grandes propriedades. Finalmente, “Casas acolheradas” tematiza o surgimentos dos núcleos urbanos e as dificuldades daí advindas.

            Tenho uma amiga que costuma dizer que não se deve lembrar coisas do passado. Olho para a filha dela e me pergunto o que essa menina terá como história, história de vida? Por outro lado, como se pode formar cidadãos e cidadãos que querem opinar, serem formadores de opinião, se eles desconhecem a sua história pessoal, a História do seu estado, do seu país. Em oito romances, absolutamente resumidos, eu abordei a Revolução da Degola (1893-1895), o período borgista, a Revolução de 1923, a Revolução de 1930, a ascensão de Getúlio Vargas ao governo central, o Estado Novo, as transformações (mecanização da agricultura, êxodo rural, urbanização) que se deram no Rio Grande do Sul. Ler é preciso, conhecer é preciso. Nada sei, mas sei menos ainda quando me nego a aprender.

Profa Dra. Elaine dos Santos

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