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Bons tempos?

Por, Profa Dra. Elaine dos Santos

Matéria Publicada em: 12/03/2019

Dizem-me que a vida era melhor 50 anos atrás. Se eu for o parâmetro, de fato, porque 50 anos atrás, eu tinha cinco anos e, na minha memória, nada muito além do que comer, dormir, brincar. Oh, tempo bom!

Argumentam que havia ordem, respeito, hierarquia. De fato, o meu pai era senhor, a minha mãe era senhora. Tu? Nem pensar! A minha mãe conduziu-me pela mão no primeiro dia de escola. Eles ensinaram-me que a professora também era senhora, que ela deveria ser obedecida e respeitada. Contam-me os meus colegas professores, hoje, que se repreenderem um aluno, há o sério risco de, no dia seguinte, os pais fazerem-se presentes na escola para questionarem e/ou xingarem o professor pela falta de trato, cuidado, respeito no tratamento dispensado ao aluno que não quer estudar, que falta à aula, que não copia o conteúdo.

Ocorre-me que, verdade, nós fazíamos fila indiana na escola, nós usávamos uniforme, nós cantávamos o Hino Nacional e não titubeávamos entre “Brasil, um sonho intenso” e “Brasil, de amor eterno”. Porém, também é verdade que corríamos e desorganizámos as filas, muitas meninas “enrolavam” as saias dos uniformes para que elas parecessem mais curtas, mas, se repreendidos, a nossa posição era de circunspeção, recolhimento, havíamos sido flagrados em atitude “errada” e precisávamos demonstrar a consciência do “erro”. Por quê?

Os nossos pais e os nossos professores ensinaram-nos, treinaram-nos, deram-nos o exemplo sobre como cumprir normas, como respeitar protocolos, como era e é importante observar certos ritos sociais, cívicos, religiosos, políticos e... Os nossos políticos, por exemplo, davam mostras que respeitavam esses mesmos ritos, esses mesmos protocolos. Entendam-me, pois, que me refiro a respeito posto em prática, não concebo, aqui, respeito como uma palavra vazia, bradada ao vento, mas como uma ação cotidiana, sem alarde, dada como exemplo pelos mais velhos aos mais jovens (no caso, nós!).

Nós crescemos e o que fizemos? Rompemos com as normas, com os protocolos, com os ritos, foi uma escolha nossa, feita nos anos 80, 90, em nossa juventude, quando os nossos pais não tinham mais ascendência sobre nós, quando nós começamos a criar os nossos filhos, quando nós passamos a ser (mau) exemplo. Lembro a mãe de um aluno, nos meus tempos como professora de ensino médio, pedindo-me que relevasse o gênio intempestivo do rapaz, porque ele era revoltado com o pai, que bebia. Indaguei: “quem dá comida para o rapaz? Quem dá roupa? Quem paga a saída para festinhas?” E a mãe replicou: “O pai”. Eu respondi: “Então, a senhora me desculpe, mas quem precisa ser relevante com o pai é o filho, não sou eu, como professora, que preciso relevar a falta de educação do filho.”

Quero crer, a partir dessa reflexão, que 50 anos atrás, tempo da nossa infância (que, em todos os tempos e todos os lugares, sempre é um espaço idealizado, sempre parece ter sido o melhor), fossem até melhores, mas porque havia outra geração ditando o encaminhamento das ações rotineiras, gente que dizia bom dia, boa tarde, boa noite, com licença, gente que exercia empatia, tolerância e gente que, pelo exemplo, ensinava a respeitar. Não são os jovens de agora que estão “perdidos” (provavelmente, os nossos pais até pensassem isso da nossa geração), mas fomos nós que os conduzimos para esse caminho. As “rédeas”, se ainda quisermos ser protagonistas, podem ser nossas, mas não será “terceirizando” responsabilidades, será, isto, sim, assumindo o nosso papel, como cidadão vigilante; como pai presente; como homem que, dentro e fora de casa, respeita a sua mulher; como mulher que, dentro e fora de casa, respeita o seu marido; como empregador que sabe a importância do trabalhador para a sua empresa; como trabalhador que reconhece a relevância do seu emprego. Essa “Maria Fumaça” ainda pode andar nos trilhos (sem ser limitada, única e exclusivamente, a trilhos que enquadrem e não lhe deem liberdade) pela paz nossa de cada dia.

Elaine dos Santos

Professora Doutora em Letras

Autora de “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro itinerante”

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