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As metáforas da máscara

Por, Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 13/05/2020

De imediato, é preciso consignar que este texto, nem de longe, pretende tecer críticas ao uso da máscara como prevenção à transmissão do vírus responsável pela doença conhecida como Covid-19. Ao contrário, mesmo quando amigos questionavam-na, procurei demonstrar o meu total apreço por seu uso, pela necessidade que, diante de uma pandemia com causas e consequências ainda inimaginadas, tínhamos de estabelecer formas de alterar/mitigar a transmissão do referido vírus e a nossa própria ansiedade.

Os dias correntes têm sido de sofrimento e aprendizado. Muitos, entre nós, estão “confinados” em suas residências, inclusive, sem contato presencial com outras pessoas e, portanto, dependentes de telefone, aplicativos de mensagens etc. A solitude é uma experiência enriquecedora, mas somos humanos e, como tal, somos gregários, necessitamos de contato com os da nossa espécie, mesmo que, no contexto atual, muitos não compartilhem as mesmas ideias e isso gere conflitos.

Quando vamos às ruas, por determinação municipal e, agora, estadual, usamos máscaras, o que tem provocado situações inusitadas, constrangedoras, violentas. Há registros de preconceito, quando pessoas mais humildes usam máscara de pano e são “confundidas” com assaltantes; também há registros de assaltos postos em prática por pessoas que usam máscara de pano... Enfim, a nossa sociedade parece não saber os seus próprios limites, intolerância e violência andam lado a lado. Ainda assim, exige-se o uso da máscara e ele tem provocado algumas reflexões.

Creio que a primeira delas é a oportunidade de olhar pessoas diretamente em seus olhos, surpreendendo-as em diferentes momentos e emoções. Considero também importante referir que algumas pessoas, por questões que lhes são próprias, criaram modelos arrojados, diferenciados; por outro lado, encontramos aqueles que demonstram claramente o seu desconforto com o uso da dita máscara (dias atrás, ao ver um vovô na rua, usando máscara e ofegando por trás dela, quase parei e pedi-lhe perdão pelo andamento da nossa sociedade, pelo desmatamento, pelo descongelamento das geleiras e por uma infinidade de outros desrespeitos ao meio ambiente, aos animais em geral, ao ser humano em particular).

Contudo, a primeira metáfora que titula este texto relaciona-se à dificuldade que alguns enfrentam para respirar – como o vovô ofegante que mencionei. Perguntei-me ao olhar para as pessoas se o desconforto causado pela máscara seria equivalente ao uso do respirador, à submissão da ventilação mecânica e um ex-aluno de ensino médio, hoje, médico intensivista, explicou-me como se faz a intubação, as condições que a pessoa vivencia em uma UTI e conclui que, sob hipótese alguma, usar uma máscara de pano é um dilema, um sacrifício.

Há outro aspecto que me parece pode ser metaforizado pela máscara: os dias estão difíceis, os relacionamentos estão difíceis, o entendimento parece quase inalcançável e o uso da máscara, neste sentido, representa (como uma obra artística pode fazê-lo) a nossa realidade: rostos encobertos, como o são posicionamentos ideológicos daqueles que não querem “comprometer-se” socialmente, por exemplo. Porém, um dos meus ex-professores do curso superior usou ainda outra conotação: respirar é difícil com uma máscara de pano no rosto, mais difícil, na configuração da nossa sociedade atual, tem sido a nossa compreensão do outro, a nossa empatia com a dor do outro. Frequentemente, em nossos relacionamentos, temos “receitas” para ofertar e sufocamos as liberdades de cada um: “Fique quieto”; “Não se intrometa”; “Faça assim” ou “Faça assado, cozido, grelhado”. Quem nos disse que a nossa “receita” pessoal pode ser a solução para aquilo que aflige o outro? Quem nos disse que os nossos valores, as nossas crenças podem limitar as ações, os pensamentos do outro? Nessa percepção, a máscara metaforiza a nossa dificuldade para “respirar” aquilo que é diferente e, sobretudo, aquilo que foge às nossas concepções de certo e errado. Sem levar ainda em consideração que, cada vez que sugerimos ou gritamos pelo silenciamento do outro, estamos perpetrando uma violência simbólica que retira a voz daquele que ansia manifestar-se, expressar as suas angústias, os seus medos, as suas dúvidas. Se, de um lado, pois, o uso da máscara deve proteger-nos, de outro, ele serve para pensarmos em nossas relações – sempre haverá aprendizado, mesmo nas condições que nos pareçam mais adversas.

Elaine dos Santos

Professora Doutora em Letras (UFSM)

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