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Reflexões literárias em tempos de pandemia

Por, Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 01/09/2020

Após a morte do Capitão Rodrigo Cambará, Bibiana dedicou-se à criação dos filhos, Bolívar e Leonor. Ela casou-se cedo e foi morar na região de Cruz Alta. Recaía sob as costas de Bolívar manter a linhagem Terra Cambará, além disso, Bibiana tinha planos para o único varão Terra Cambará de Santa Fé, decidiu que ele se casaria com a herdeira do nordestino Aguinaldo Silva, dono do sobrado que fora erigido sobre o terreno que pertencera a Pedro Terra, pai de Bibiana e filho de Ana Terra.

Dr. Winter, o médico da família, que passou a frequentar o sobrado, após as núpcias entre Bolívar e Luzia, denominou-a Teiniaguá, numa alusão à lenda da Salamanca do Jarau, a princesa moura, sádica e volúvel, que seduzia os homens. Bolívar parece ter nutrido dúvidas sobre o amor que sentia por Luzia, mas, ao fim, descobriu-se apaixonado por ela.

Indócil, Luzia pareceu não se adaptar à vida de casada e à cerrada vigilância de Bibiana. Dr. Winter aconselhou o jovem casal, pais de Licurgo, que fizesse uma viagem a Porto Alegre. Luzia alegrou-se.

Do ponto de vista histórico, a segunda metade do século XIX foi marcada por uma pandemia de cólera, que grassou mais de um milhão de vidas. O fato histórico inserido na narrativa serve para situar Bolívar e Luzia em um passeio pela capital da província, um dos focos da doença.

No regresso a Santa Fé, Bolívar então desabafa com o Dr. Winter: “Só depois que começou a peste lá em Porto Alegre é que eu vi com que tinha casado (...). Logo que ficamos sabendo da peste eu quis vir embora. Ela ficou furiosa. Disse que não tinha feito aquela viagem cansativa só pra passar um mês em Porto Alegre. Quando falei que a gente podia pegar o cólera, ela me chamou de covarde. Assim, fomos ficando. Eu andava desnorteado, desconfiava da água que bebia, das coisas que comia (...). Sentia por todos os lados cheiro de morte, de podridão. Mas Luzia andava contente. Ficava na janela olhando as pessoas que caíam na rua. As vezes ia pra fora pra esperar a carroça que vinha recolher os defuntos, ia olhar de perto a cara deles” (VERÍSSIMO, Erico. “O tempo e o vento”. São Paulo: Globo, 2002, p. 448).

Na volta do casal a Santa Fé, dois embates: Bibiana não queria entregar Licurgo, o filho, para os pais: Luzia e Bolívar, temia que eles estivessem infectados pelo cólera, temia que o neto adoecesse, temia que o herdeiro do clã Terra Cambará não resistisse à peste. Na manhã seguinte, por determinação da Câmara Municipal de Santa Fé, o sobrado foi sitiado, os seus moradores não poderiam sair até que fosse definida a ausência de risco da transmissão da doença.

Luzia queria Licurgo. Dr. Winter segurou fortemente Bibiana, afastou-a da janela, retirou-lhe a praça do seu campo de visão... Bibiana, agora, só teria Licurgo. Iniciava-se um novo combate no sobrado.

Personagens não são pessoas, personagens representam pessoas e ajudam-nos a refletir sobre pessoas, caso queiramos pensar e ter empatia em relação ao próximo.

Elaine dos Santos

Professora Doutora

Autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro itinerante”.

Brito lateral 2020