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Juiz bloqueia R$ 3,2 milhões em bens de ex-secretários de obras e empresários de Ijuí

A liminar obtida pelo MP foi pedida em Ação por ato de improbidade administrativa por fatos relacionados à "reserva" e/ou venda ilegal de túmulos/jazigos nos Cemitérios do Município.

Matéria Publicada em: 14/01/2021
Um dos casos é o da sepultura trocada sem a família saber, no Cemitério Jardim, há um ano. Foto: Arquivo Ijuí News.

O juiz da 1ª Vara Cível da Comarca de Ijuí, Guilherme Eugênio Mafassioli Correa, deferiu pedido liminar do Ministério Público (MP) e tornou indisponíveis bens até o valor de  R$ 3,2 milhões, que estejam registrados em nome de seis réus em Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativa ajuizada pelo MP por fatos relacionados à "reserva" e/ou venda ilegal de túmulos/jazigos nos Cemitérios do Município.

Os réus da Ação são: Jair Antônio da Rosa (ex-secretário de obras da gestão Heck/Zardin), Valmir Pedroso Jung (ex-secretário adjunto de obras da gestão Heck/Zardin), e os empresários Rodrigo Gonçalves Lupatini, Rodrigo Gonçalves Lupatini & CIA LTDA., Marmoraria São Lucas e Francisco Neri da Silva.

De acordo com o despacho/decisão do juiz Guilherme Mafassioli, “... existem fortes indícios de que alguns atos de improbidade, como a reserva/venda ilegal de túmulos e jazigos, assim como a exumação irregular de cadáveres, tenham de fato ocorrido”.

Veja o despacho/decisão do juiz Guilherme Mafassioli

Vistos.
Trata-se de Ação Civil Pública por ato de improbidade administrativas ajuizada pelo Ministério Público em face de Valmir Pedroso Jung, Rodrigo Gonçalves Lupatini, Rodrigo Gonçalves Lupatini & Cia Ltda., Marmoraria São Lucas Ltda. - ME, Francisco Neri da Silva e Jair Antônio da Rosa.
Disse que desde o ano de 2011, em razão da instauração de Inquérito Civil, o Ministério Público vem acompanhando a situação de precariedade do Cemitério Municipal de Ijuí. Afirmou que em 2017 a investigação foi ampliada para apuração de denúncia de suposta prática de atos de improbidade administrativa realizada pelos réus, cujos atos teriam lesado os usuários dos serviços funerários ofertados. Em razão do resultado da Sindicância instaurada pelo Município de Ijuí, que concluiu que naquela época não havia controle e gestão no setor de cemitérios da cidade, o inquérito foi arquivado, sendo sugerido, apenas, a regularização dos cadastros. Ocorre que a conclusão foi diversa na Comissão Parlamentar de Inquérito instaurada para apuração dos mesmos fatos, chegando a Comissão à conclusão de que houve comprovação sobre a reserva e venda ilegal de túmulos, em favorecimento dos servidores responsáveis pelo setor e das empresas rés. Discorreu sobre a ocorrência de improbidade administrativa e sobre o risco de dilapidação do patrimônio durante o processo por parte dos réus, o que poderá ensejar a ausência de patrimônio para saldar eventual condenação. Requereu, liminarmente: a) determinação para que os réus Marmoraria São Lucas Ltda., Francisco Neri da Silva, Rodrigo Gonçalves Lupatini e Cia. Ltda. e Rodrigo Gonçalves Lupatini se abstenham de continuar infringindo o direito dos consumidores, especialmente no que se refere à venda de túmulos dos cemitérios municipais; b) a publicação de edital, às expensas dos réus Marmoraria São Lucas Ltda., Francisco Neri da Silva, Rodrigo Gonçalves Lupatini e Cia. Ltda. e Rodrigo Gonçalves Lupatini, para comunicação da situação narrada, a fim de que os interessados possam ingressar no processo como litisconsortes ativos; e c) a indisponibilidade dos bens registrados em nome dos requeridos, até o limite de R$ 360.000,00 com relação a Jair Antônio da Rosa e Valmir Pedroso Jung, e com relação aos demais, até o limite de R$ 620.000,00, para cada um.
É o breve relato.
Decido.
A antecipação dos efeitos da tutela demanda a conjugação dos requisitos da probabilidade do direito e do perigo de dano ou do risco ao resultado útil do processo, consoante dispõe o art. 300 do Código de Processo Civil.
Merece deferimento o pedido de urgência formulado.
Da narrativa da inicial, possível perceber que a situação que ensejou o ajuizamento da presente ação civil pública foi a "reserva" e/ou venda ilegal de túmulos/jazigos por parte dos administradores da  funerária e marmoraria demandadas, as estariam sendo beneficiadas pelos funcionários públicos Jair Antônio da Rosa e Valmir Pedroso Jung . Tal prática, por sua vez, teria desencadeado diversas outras situações irregulares, como o não recolhimento de taxas ao Município, transferência de cadáveres de um túmulo para outro sem autorização dos familiares e do Município, exumação irregular de ossadas, construção de túmulos em locais não permitidos, venda de carneiros com valores muito elevados, dentre outras.
Neste momento, para fins de análise do pedido liminar de decretação de indisponibilidade dos bens dos réus, necessário verificar se existem indícios de que as práticas relatadas, ou parte delas, tenham efetivamente ocorrido. Em caso positivo, deverá ser analisado se houve violação de direitos, ainda que em análise superficial.
Nesse sentido, segue jurisprudência: (...)
Ainda, importa referir que, no momento, não existe a necessidade de demonstração de que os réus estejam dilapidando o patrimônio, ou na iminência de fazê-lo, tendo em vista que o perigo na demora, no caso, é presumido, conforme entendimento sedimentado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Segue ementa sobre o assunto: (...) 
No caso, entendo que existem fortes indícios de que alguns atos de improbidade, como a reserva/venda ilegal de túmulos e jazigos, assim como a exumação irregular de cadáveres, tenham  de fato ocorrido. Tal conclusão se chega a partir da análise de algumas situações muito bem demonstradas nos documentos que acompanham a inicial, as quais seguem, pormenorizadamente, narradas.
..., servidor público municipal que desempenhou a função de Coordenador de Cemitérios nos anos de 2016/2017, afirmou no depoimento prestado no Inquérito Civil instaurado pelo Ministério Público (IC 00794.00069/2011) e na CPI realizada, que diversas foram as irregularidades verificadas durante o desempenho de sua função. Exemplificando, citou a construção de túmulos em locais não autorizados; reservas de carneiros/sepulturas para as empresas rés, as comercializavam os túmulos diretamente com os consumidores; ausência de repasse de taxas ao Município e exumação irregular de ossadas, pela funerária e marmoraria rés, para fins de ocupação de túmulos abandonados. Os depoimentos constam nos anexos OUT17, p. 7/11 e OUT19, p. 15.
..., proprietário dos túmulos de número 27 e 28 no Cemitério Jardim, que também prestou depoimento na CPI (OUT19, p. 13), afirmou que os dois espaços foram adquiridos diretamente de Rodrigo Lupatini, e não junto ao Município,  e que o de número 28 seria reservado para sepultar, futuramente, sua mãe. Ainda, disse que ao tomar conhecimento de que a Sra. ... havia sido enterrada naquele local, buscou explicações junto a Rodrigo, que sugeriu a troca de túmulos, ideia esta acatada pelo réu Jair Antônio da Rosa, Secretário Municipal de Desenvolvimento Urbano, Obras e Trânsito de Ijuí. Além disso, o depoente informou que seu pai foi enterrado no túmulo de número 27, e que visualizou que no de número 28 estava a Sra. ..., que posteriormente foi removida do local. O depoimento consta no anexo OUT17, p. 13.
Sobre este fato, Rodrigo Lupatini, quando ouvido por ocasião da instauração da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), admitiu ter realizado a troca de lugar do corpo da Sra...., pois teria vendido o mesmo carneiro para duas pessoas diferentes e que, para resolver o problema, realizou a troca de lugar, sepultando-a na sequência dos túmulos já abertos e disponíveis, tudo com a concordância do réu Jair Antônio da Rosa. Além disso, afirmou  que não foram procedidas quaisquer formalidades ou obtida qualquer autorização para o ato, e que os familiares da Sra Vilma não estavam presentes, sendo Rodrigo sabedor da ilegalidade que estava cometendo. O depoimento consta transcrito no anexo OUT19, p. 13.
Da análise dos depoimentos acima, percebe-se que ambos corroboram a denúncia realizada pelo ex-Coordenador de Cemitérios ..., e que os dois depoentes, ... e Rodrigo Lupatini, não negam a situação ocorrida, inclusive o réu Rodrigo afirma que sabia que se tratava de ato ilícito. Além disso, possível perceber que a reserva de túmulos era prática recorrente, tanto que as tratativas de venda dos túmulos/carneiros ao Sr. João ocorreram diretamente com a Funerária, e não com o Município.
A documentação relativa a este episódio é farta. No Evento1, OUT20, p. 4, consta guia de recolhimento de débitos em nome de ..., filho da falecida ..., no qual existe a informação de que a mesma seria sepultada na quadra F, fila 12, túmulo 28. Da mesma forma, no anexo OUT49, p. 21, consta o nome da Sra. ... no túmulo 28, da fila 12, quadra F e, na fl. 22 do mesmo anexo, pode ser verificado que o túmulo 32 está vago. Já no documento OUT55, p. 44, que se refere ao controle manuscrito dos túmulos, a Sra. ... aparece como sepultada na quadra F, fila 12, túmulo 32, ao passo que no túmulo 28 da mesma fila existem apenas algumas rasuras/borrões.
Por fim, cumpre referir que o zelador do Cemitério Jardim,..., local em que se encontra sepultada a Sra. ...,  referiu, ao registrar boletim de ocorrência junto a Delegacia de Polícia (OUT49, p. 1), que "no túmulo 32 tem a cruz com o nome da mulher que foi enterrada no túmulo 28 e algumas flores. Que no túmulo 28 só tem terra por cima, não há cruz ou flores indicando que houve velório", corroborando, mais uma vez, a afirmação de troca de túmulos de forma irregular. Além disso, o zelador informa, neste mesmo depoimento, que não existe documentação de venda do túmulo 32, somente do 28, e que é ele, o zelador, que informa a disponibilidade de túmulos do cemitério, e que a compra é realizada diretamente na Secretaria de Obras do Município.
Diante de todo esse contexto, evidencia-se que a venda dúplice do túmulo de número 28 ocorreu diretamente na Funerária Lupatini, e não na Secretaria de Obras do Município. Da mesma forma, percebe-se certa autonomia da funerária e marmoraria rés, no que se refere à localização dos sepultamentos e à cobrança dos valores, sendo este fortes indícios da ocorrência dos atos de improbidade relatados na inicial.
Para além destes fatos, dos documentos anexados no Evento1, OUT44, possível perceber que a prática de reserva de túmulos é corriqueira, e que em alguns casos uma mesma pessoa efetivou a reserva de mais de um túmulo. Restou demonstrado, ainda, que as reservas eram efetivadas também em nome de empresas (...). Merece destaque a situação exposta no documento OUT46, p. 47/48, em que se evidencia que os valores pagos pelo usuário foram destinados não só ao Município, mas também à ré Marmoraria São Lucas, como forma de pagamento da aquisição do carneiro.
Por fim, conforme documentos constantes no anexo OUT45, p. 31/38, pode ser verificado que o Sr. ... faleceu em 03/10/2018, e foi sepultado na quadra E, fila 5, túmulo 18, do Cemitério Municipal de Ijuí, local em que desde o ano de 1993 encontrava-se sepultado..., que foi realocado na quadra F, fila 17, túmulo 42. Contudo, a formalização da documentação de remoção do corpo, assim como a entrega do túmulo por familiar de ... e aquisição do mesmo por familiar de..., ocorreram posteriormente ao óbito deste, mais especificamente nos dias 15, 17 e 18 de outubro, evidenciando fortes indícios de transferência e, talvez, exumação irregular.
Assim, havendo fortes indícios de que os fatos acima descritos tenham ocorrido, passo à análise da legislação aplicável ao caso.
A Lei Municipal nº 4.891/2008, que dispõe sobre os Cemitérios do Município de Ijuí, em seu art. 10, estabelece a quem podem ser transferidas as sepulturas e as formalidades a serem seguidas. Segue transcrição do dispositivo legal:
Art. 10 - As concessões temporárias e perpétuas de túmulos ou de terrenos podem ser feitas a particulares, famílias, sociedades civis, instituições, corporações, irmandades ou confrarias religiosas, mediante requerimento efetuado pelo interessado, dirigido ao Executivo Municipal, devendo constar: (grifo nosso).
(...)
V - comprovante do recolhimento das taxas e/ou preços públicos pertinentes;
(...)
Como se vê, o requerimento para obtenção de uma sepultura deverá ser, obrigatoriamente, dirigido ao Município de Ijuí, que analisará a documentação apresentada, cobrará o preço público correspondente e, sendo o caso, expedirá o termo de concessão da sepultura.
O art. 54, por sua vez, disciplina a forma pela qual as sepulturas/túmulos poderão ser transferidas:
Art. 54 As concessões de jazigos perpétuos poderão ser transferidos somente nos seguintes casos:
I - compra e venda ou doação entre particulares;
(...)
O artigo seguinte, além de regulamentar essa transação (do art. 54), faz ressalva importante em seus parágrafos 1º e 2º:
Art. 55 Na hipótese do inciso I do artigo anterior, o concessionário de jazigo perpétuo, juntamente com o adquirente, deverão protocolar requerimento perante o Município de Ijuí, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias, contados da data da transação, comunicando a alienação, o qual deverá ser instruído com os seguintes documentos:
(...)
§ 1º Se o adquirente já for detentor de algum Título de Concessão de Jazigo Perpétuo, o pedido de transferência não será deferido sob hipótese alguma.
§ 2º A cada adquirente só será passado um único Título de Concessão de Jazigo Perpétuo.
(...)
Dos dispositivos transcritos, percebe-se, claramente, que os pedidos de aquisição de sepulturas/túmulos/carneiros devem ser realizados diretamente ao Município de Ijuí, uma vez que é o poder executivo municipal que detém a competência para gerenciamento de tais concessões.
Além disso, existe vedação legal à aquisição de mais de um jazigo/sepultura pela mesma pessoa, conforme bem explicitado nos parágrafos do art. 55. Assim, em sendo verdadeiros os fatos noticiados na petição inicial, não há como negar que estão em desacordo com a legislação de regência. E, considerando a participação de servidores públicos municipais nas situações expostas, no decorrer do processo poderá ser demonstrada a efetiva ocorrência de atos de improbidade.
Assim como as reservas e comercialização irregular de túmulos, percebe-se que pode ter ocorrido a exumação de ossadas em desacordo com a legislação. O art. 24 da mesma lei já citada refere que as exumações somente podem ocorrer após decorrido prazo de três anos do sepultamento, salvo se houver determinação judicial para tanto e mediante pagamento do preço público correspondente (art. 25, III). Além disso, o ato deve ocorrer na presença de um familiar do exumado e documentado em livro próprio.
No caso, conforme já referido, aparentemente não houve autorização para trasladação do corpo da Sra. ..., assim como a troca de sepultura não ocorreu na presença de um familiar, tampouco houve documentação da situação.
Da mesma forma, com relação ao Sr. ..., percebe-se que as formalidades foram adotadas somente após já ter ocorrido a exumação e trasladação da ossada do Cemitério Jardim para o Cemitério Municipal, o que também vai de encontro à legislação aplicável.
Diante destas considerações, possível afirmar que existem indícios suficientes da ocorrência dos fatos narrados e da possibilidade de ocorrência de improbidade administrativa, o que autoriza o deferimento da medida de urgência postulada.
Isso posto, defiro o pedido liminar, para o fim de:
a) determinar que os réus Marmoraria São Lucas Ltda., Francisco Neri da Silva, Rodrigo Gonçalves Lupatini e Cia. Ltda. e Rodrigo Gonçalves Lupatini se abstenham de continuar realizando a venda de túmulos/sepulturas;
b) determinar a indisponibilidade de bens dos réus, até o limite do valor de R$ 360.000,00 com relação a Jair Antônio da Rosa e Valmir Pedroso Jung, e com relação aos demais, até o limite de R$ 620.000,00.
Os valores ora fixados decorrem do pedido formulado na inicial, que tem como parâmetro, para as empresas rés, o número de reservas de túmulos (em torno de 13) multiplicado por R$ 20.000,00 (valor aparentemente cobrado por cada sepultura dos consumidores), acrescido de R$ 260.000,00 a título de multa civil a ser aplicada e R$ 100.000,00 a título de danos morais coletivos, totalizando R$ 620.000,00 para cada uma delas. Com relação às pessoas físicas, os parâmetros são os mesmos, à exceção dos valores referentes às sepulturas, o que totaliza a quantia de R$ 360.000,00 para cada um.
As medidas de indisponibilidade já foram realizadas, conforme telas que seguem.
c) Deferir o pedido de publicação de edital, nos termos do art. 94, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, às expensas dos réus Marmoraria São Lucas Ltda., Francisco Neri da Silva, Rodrigo Gonçalves Lupatini e Cia. Ltda. e Rodrigo Gonçalves Lupatini.
Notifiquem-se, na forma do art. 17, §7º, da Lei 8.429/92.
Intimem-se.
Diligências legais. 

Twitter | Repórter Abel Oliveira

Imagens/fotos e vídeos: Abel Oliveira / Cópias não autorizadas - Lei nº 9.610/98.

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