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Quem lê, aprende e pode odiar menos, porque compreende

Por, Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 17/05/2021

Suas crianças precisam aprender a ler e não apenas “acolherar” letras. Ensinem-nas a fazerem perguntas para as palavras: O quê? Por quê? Como? Leia com elas e questione o que cada palavra significa no senso comum e o que pode significar além dele.

Eu tomo sempre como exemplo o verbo “discutir” – ainda adolescente, conversando com uma pessoa, em tom casual, sobre amenidades, eu disse: “Mas eu não estou discutindo isso”, usei o verbo no sentido de não estou problematizando, não estou questionando, não é essa a ótica que estou pondo em xeque. A pessoa irritou-se: “Mas o que tu pensa, guria? Ninguém aqui tá batendo boca com ninguém!

Nesses tempos de ódio, em que todos somos réus e juízes, saber ler e interpretar postagens e comentários em redes sociais pode ajudar muito a odiar menos. Numa cultura que gira em torno do falo (pênis), a maioria de homens e mulheres em nossa sociedade quer minorizar o discurso de uma mulher – casada ou não – dizendo-a “mal amada” (ou o grotesco, chulo e vulgar, “mal comida”). As pessoas não se dão conta da ignorância que desfilam publicamente: mal amada/o é aquele incapaz de gerar/produzir e espalhar amor por onde passa, é aquele incapaz de ser solidário, sentir compaixão. Transar? Até a minha cadelinha de estimação transa. Dias atrás, disseram-me que eu deveria “arrumar um homem”, indaguei ser para cortar a grama, lavar o carro, consertar algum problema elétrico ou hidráulico na casa. Ainda que o verbo “arrumar” traga também a ideia de “consertar”, o que me fez questionar-me se haveria alguém precisando de conserto nas imediações.

Muito além do que o senso comum fala, as palavras têm força, têm significados para além delas e GRITAM muito alto sobre o caráter de quem as pronuncia. Entretanto, elas também dizem sobre quem as recebe, interpreta. Elas podem ferir, magoar, dilacerar... é preciso, por isso, olhar para além delas quando elas são “cuspidas” com fel. Não vamos ver a alma brasileira “limpa” desse ódio que se aprendeu a disseminar em redes sociais, mas é preciso começar um trabalho de purgação.

Crianças, adolescentes e jovens estão espalhando o mesmo ódio que pais e avós, analfabetos funcionais, que não conseguem transcender os diferenciados sentidos de um mesmo vocábulo. Dispa-se, limpe-se daquilo que você carrega como verdade constituída e o faça pelo bem dos seus filhos e netos, comece com as palavras, com as leituras básicas, aquelas feitas ao pé do berço, antes do sono acolhedor que todo pai, toda mãe almeja que seja aconchegante para seu filho/sua filha – até porque o seu “inimigo” mais feroz também teve pai e mãe que o amou.

Elaine dos Santos

Professora Doutora

Autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro itinerante”.

Brito lateral 2020