Em 1989, ano da minha primeira eleição para presidente, eu estava muito propensa a votar em Lula, tinha 25 anos e crescera sem a possibilidade de eleger o presidente do Brasil. Houve, porém, um vídeo que abalou as minhas convicções – o famoso vídeo de uma ex-mulher de Lula ou algo assim (faz tanto tempo que a memória já não recorda detalhes). Como outros 35 milhões de brasileiros, votei em Collor de Mello, sob os protestos do meu pai, brizolista de “cruz na testa”. O fim melancólico e vergonhoso de Collor, quem viu, não esquece.
Com o passar dos anos e a convivência mais aproximada com militantes petistas, distanciei-me de qualquer ideal que pudesse ser defendido por Lula. Não suportava e continuo não suportando o dogmatismo, a intransigência de alguns militantes (e, claro! Toda regra tem a sua exceção, há pessoas com quem se consegue estabelecer um diálogo são).
Na primeira vez que Lula foi eleito, meu pai e eu tivemos um forte embate. Ele decidira votar em Lula, eu não admitia, mas confesso que não lembro em que votei (se é que votei em alguém, tenho convicção que, ao longo dos anos, andei votando em branco). Na eleição seguinte (2006), tenho absoluta certeza que votei em branco. Em 2010, ainda que sabendo das limitações políticas, mas acreditando na capacidade intelectual de Dilma Roussef, votei nela. Afinal, ferrenha defensora dos direitos das mulheres, seria uma contradição de minha parte não votar em uma mulher. Em 2014, passei longe das eleições, ignorei debates, estava doente e apenas cumpri a minha obrigação cidadã, fui até a minha seção – vinha de uma série de decepções políticas com os “caboclos da minha aldeia” (minha cidade) e vivia um tempo em que a coisa mais abominável no mundo respondia pelo nome de política.
Entre 1987 e 1988, a minha mãe padeceu de câncer e faleceu. Naquele período, entre noites em claro, consultas, exames, eu acompanhei a história de um certo militar carioca. Detestável e irresponsável, que acabou expulso (reformado) do Exército. Bastou pesquisar nos sites de transparência para ter convicção que ele não era, nem de longe, o candidato que eu votaria. Mas havia um item muito significativo na eleição de 2018, a estúpida, burra, inconsequente polarização. Odeio polarizações, quando a massa se encaminha apenas para um lado ou para o outro, sem ofertar-se alternativa sensata, apaziguadora, ninguém está pensando, todos estão apenas se opondo, antagonizando, sem oferecer propostas. Votei em Ciro no primeiro turno. Não votei em Haddad, professor como eu, não votei em Haddad, criador da Tabela FIPE, não votei em Haddad, que criou o PROUNI, porque era impossível conversar com as pessoas sobre política, porque era ofendida, humilhada – estava cansada daquele burburinho burro. Foi hilário dizer que eu era esquerdopata – sou canhota e “páthos” é uma anomalia, uma doença se considerada a população em geral, logo, tenho uma patia de esquerda, não sou destra, sou sinistra. Tempos difíceis se aproximavam em que o senso comum e o “achômetro” passaram a ser dominantes.
Sou obesa, sou hipertensa, sou diabética, tenho retinopatia, sou cardiopata, tenho baixa imunidade e, diante desse quadro, a minha hematologista disse-me: “Desaparece, te isola e conta com a boa vontade das pessoas para não morrer”. Isolei-me, mas a massa desorientada, cheia de palpites e “achômetros” pôs em risco a minha vida, enquanto eu acompanhava os “papers” (artigos) produzidos por cientistas mundo afora explicando que não havia tratamento precoce para a Covid-19, que cloroquina ampliava os riscos de retinopatia, continuava recebedo estúpidas correntes em defesa do medicamento (não) milagroso. Tive nojo das pessoas.
Finalmente, chegaram as eleições de 2022 e eu, finalmente, votei em Lula. Não votei por convicção, votei para salvar a minha vida. Ainda que eu siga tendo medo dos “haters”, que já prometeram passar com seus carros sobre mim. Apesar das quatro doses da vacina, no Natal de 2022, tive Covid-19, desenvolvi um quadro gravíssimo, a ponto da hematologista arriscar-se a dizer que eu poderia ter morrido.
Fiz esse apanhado geral, apenas para afirmar que Lula não tem um governo dos sonhos, que abomino o seu discurso em que relativiza as ditaduras na Nicarágua e na Venezuela; não entendo por que ele “encasquetou” por mediar a paz entre Rússia e Ucrânia; considerando todos os “senões”, parece-me ególatra demais a nomeação de Cristiano Zanin para o STF. Ok! Devo, no entanto, reconhecer que o Brasil retomou certo protagonismo internacional e isso é ponto favorável no quesito comércio – acima de tudo, porque parece certo que o eixo econômico do mundo movimenta-se, assim como se dá certa autonomia (relativa) ao vice-presidente e aos ministros. Continua, contudo, incomodando demais a militância cega do petismo e do bolsonarismo, eu queria, apenas um dia, não ser “sufocada” por gente que quer impor suas ideias, que se acha no direito de ditar regras de pensamento político (porque viu nas redes sociais, sem nunca ter lido Marx ou Milton Friedman. Leiam, por favor! Antes de emitir opinião, leiam, por favor!). Segue sendo muito chato conviver no Brasil.
Elaine dos Santos
Prof. Dra. em Letras
Aposentada