Em Ijuí, acendeu-se uma nova lâmpada da moralidade elétrica: perdoar quem deve muito, enquanto se apaga impiedosamente a luz de quem deve pouco. A lógica é cristalina, ou melhor, fluorescente: quem atrasa uma conta de R$ 89,70 tem o fornecimento cortado sem dó, sem vela e sem vergonha. Mas quem deve milhões ao erário, ganha do poder público um abraço caloroso e um decreto de esquecimento. Que beleza de país, onde a energia é seletivamente distribuída conforme o tamanho da conta bancária.
As empresas de telecomunicações, sempre tão generosas nos lucros e econômicas nos compromissos, usaram os postes públicos como quem pendura roupa no varal alheio. Invadiram, instalaram, lucraram. Agora, ao invés de pagar pelo uso — como manda o bom senso e o Código Tributário — recebem a bênção da anistia. Pecado perdoado. Multa esquecida. E que ninguém fale em privilégio, por favor, que isso ofende a pureza do gesto público.
Enquanto isso, dona Maria, que cria dois filhos com um salário mínimo e atrasou a conta de luz porque comprou um antibiótico pro menino, recebe o aviso: “Corte programado”. Na manhã seguinte, o fio já foi. O frio entra, a geladeira para, a insulina estraga. Mas a regra é clara: não pode renunciar receita. Exceto, é claro, quando se trata de milhões e milionários — aí inventa-se uma “necessidade técnica”, uma “justificativa econômica”, uma “adequação jurídica”. A retórica é tão esculpida que parece saída de uma novela de tribunal escrita por um roteirista cego e surdo.
Se é pra perdoar, que se perdoe tudo, ora! Que se criem leis que zerem as dívidas dos aposentados, que anistiem os pequenos empreendedores que tomaram crédito para sobreviver à pandemia. Que se liberte o povo das execuções fiscais por IPTU atrasado. Mas não: pra esses, vem protesto, ação judicial, penhora online, nome sujo no SPC e na alma.
A grande piada — que ninguém ri — é que tentam convencer o cidadão de que esse perdão milionário é legal, justo, estrategicamente necessário. É como enfeitar um elefante com purpurina e dizer que é uma bailarina. Podem assinar papéis, redigir projetos e bater carimbo em comissão: continua sendo a velha história de sempre. O poder ajoelhado diante de quem manda, e de cócoras diante de quem precisa.
O povo, claro, assiste de vela na mão. Afinal, a luz só brilha para os grandes.
Luis Fernando Arbo
Advogado
Luz dos Milionários