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A aprendizagem e a alfabetização de crianças Autistas

Por, Fabiana Boff Grenzel

Matéria Publicada em: 23/05/2017

GRENZEL, Fabiana Boff

RESUMO: Este artigo propõe refletir a inclusão de crianças autistas na alfabetização. Surge dúvidas de como incluir estas crianças no ambiente escolar e o interesse de saber se há a possibilidade de alfabetizar crianças autistas, assim como os profissionais podem contribuir na fase da alfabetização. O desenvolvimento da aprendizagem do autista geralmente é lento, gradativo, cabe ao professor adequar seu sistema de comunicação. A família precisa envolver-se neste processo. Cada indivíduo é único, e sobre um tempo maior para aprender, entendemos que criança autista aprende, porém exige esforço do educador e seu aprendizado será produtivo quando realizado de maneira direta, professor – aluno, podendo utilizar diferentes recursos. É necessário criar estratégias para facilitar a aprendizagem destes educandos.

 Palavras – chave: Alfabetização. Autismo. Formação.

ABSTRAT: This article proposes to reflect the inclusion of autistic children in literacy. There are questions about how to include these children in the school environment and the interest in knowing if there is a possibility of teaching autistic children, as well as how professionals can contribute to the literacy process. The development of autistic learning is usually slow and gradual. It is up to the teacher to match his or her communication system. The family needs to be involved in that process. Each individual is unique, and about a longer time to learn, we understand that an autistic child learns, but it requires the educator’s effort and his learning will be productive when done in a direct way, teacher - student, being able to use different resources. It is necessary to create strategies to facilitate the learning of those students.

 Key - words: Literacy. Autism. Training.

Introdução

   A inserção de crianças com deficiências educacionais em sala de aula regular está cada vez mais constante no cotidiano escolar. Porém, apenas a presença do aluno não é suficiente para a garantia de seu aprendizado, precisamos também estar profissionalmente preparados para receber este educandos. Na inclusão é o sistema educacional e social que deve adaptar-se para receber a criança, assim como família e escola precisam estar juntas em constante diálogo, sempre pensando no melhor para estes alunos.

   As pessoas precisam se aproximar do tema, estudar, adquirir subsídios para que estejam preparados para ajudar essas crianças. Criando assim, estratégias e medidas preventivas que possibilitam a melhora do comportamento, da interação social e aprendizagem como um todo.

   Há vários pré-requisitos que precisam ser trabalhados anteriormente à alfabetização. E isso é importante para todas as crianças. Algumas dessas habilidades são: linguagem oral, consciência fonológica, coordenação viso motora, orientação temporal e espacial, lateralidade e esquema corporal. Por isso falamos em processo de alfabetização, uma vez que se constitui numa construção gradual, com início nos primeiros anos de vida da criança e, quando ela chega à escola, ganha uma dimensão ainda maior. O presente artigo tem como objetivo pesquisar, refletir e conhecer mais sobre a aprendizagem de crianças autistas, assim como o que nós profissionais precisamos saber para ajudar da melhor forma possível as crianças no processo de alfabetização.

    Algumas crianças com autismo começam a associar letras e sons de forma muito precoce, sem que tenha ocorrido uma instrução explícita. Mas, frequentemente, elas precisam de um ensino passo a passo que as orientem. Dentre as diversas ferramentas utilizadas para a alfabetização, destacamos a metodologia fônica e multissensorial que, em nossa prática, tem trazido enormes contribuições para as crianças, especialmente aquelas com autismo. Essa abordagem privilegia o ensino dos fonemas e as habilidades metalinguísticas, levando à reflexão de que existe uma sequência de sons que deve ser respeitada para aprender a ler e escrever. Para uma criança com autismo, essa orientação explícita auxilia muito a entender o princípio alfabético.

   Além de aprender sobre o mundo, há muitas outras competências que são desenvolvidas. Para ler a criança tem que ter ritmo, saber que uma palavra se compõe de letras transformadas em som e que um som vem antes do outro. Tem que saber sequenciar e dominar outros tantos conhecimentos; é o que chamamos de pré-requisitos da leitura. Para escrever é preciso desenvolvimento motor, tônus muscular adequado, coordenação e para ambos é necessário saber imitar e se apropriar de forma adequada daquilo que se imita, mas é preciso também ter consciência corporal, definir lateralidade, entre outros.

   Antes de falar sobre as dificuldades e peculiaridades da aprendizagem da pessoa com Autismo precisamos deixar claro as lacunas ocorridas no desenvolvimento deste indivíduo. É comum que as crianças com Autismo em graus diferentes, tenham comprometimentos em todas as competências que antecedem à aprendizagem da leitura e da escrita.

Discussões

   As pessoas com Autismo tem uma forma muito peculiar de ver o mundo, olham de forma diferente para objetos e pessoas, perdem com isso a absorção de mensagens que desenvolvem conceitos sociais e por isso tem dificuldade de interagir. Não sabem o que fazer, como ou porque devem se portar de tal maneira. Boas maneiras não significam nada, são códigos sem sentido que não são fortes o suficiente para segurar o sua ação impulsiva.

   Sabemos que o autismo causa atraso no desenvolvimento da criança e compromete a comunicação, a linguagem, interação social, imaginação e o comportamento. Segundo as leituras realizadas, entendemos que são imprescindíveis tratamentos adequados que contribuem nos progressos do desenvolvimento e que muito pode ser feito para ajudá-la, em diversos aspectos de sua vida.

   A possibilidade de alfabetização representa uma enorme conquista na vida de qualquer ser humano, e muito mais para criança com diagnóstico autista e sua família. O processo de alfabetização é muito mais do que reconhecer símbolos e letras, é saber interpretar o que está a sua volta com a leitura de mundo, como diz Freire (1993). Cada sujeito realiza essa aprendizagem de uma forma diferente.

   Esse aprender de formas diferenciadas também diz respeito às pessoas com deficiência, que, em decorrência das especificidades de suas deficiências, aprendem os conteúdos de forma peculiar e cada uma apresenta características próprias como resposta ao trabalho pedagógico. Portanto, as diferentes deficiências geram necessidades e formas educativas especiais próprias, o que não é diferente em relação às síndromes. Este também é o caso de pessoas com autismo, foco maior deste Objeto de Aprendizagem.

   De acordo com Mello (2004), o autismo é uma síndrome que se caracteriza por desvios qualitativos na comunicação, na interação social e no uso da imaginação. As pessoas com autismo apresentam, desde cedo, um distúrbio severo do desenvolvimento, principalmente relacionado à sua comunicação e interação social. Entretanto, em alguns casos, podem apresentar incríveis habilidades motoras, musicais, de memória e outras, que muitas vezes não estão de acordo com a sua idade cronológica. Gauderer (1997, p.108) afirma que em relação à educação,“[...] é útil dividir a tarefa em pequenas etapas e, vagarosamente, construir o todo. Deve-se aproveitar ao máximo as situações do dia a dia [...], transformando-as em oportunidades de ensino de forma a encorajar a criança a usar na prática os conhecimentos adquiridos.”

   Além disso, as pessoas com autismo possuem um estilo cognitivo diferenciado. Grande parte delas são "pensadores visuais” ou “visual thinkers" conforme Grandin (1996, 1998) e Sacks (1995, apud RIBEIRO, 2003). Ou seja, elas processam o pensamento em imagens, têm dificuldades em mudar suas rotinas diárias, decorrentes da falta da habilidade de percepção, de compreensão e de comunicação. Portanto, precisam de ambientes estruturados e organizados para aprender.

   Todas estas características peculiares ao autismo exigem uma metodologia específica para ensiná-los. Ressaltamos a importância do professor, juntamente com a família, estabelecer rotinas com a criança autista; assim, o trabalho a ser desenvolvido na escola ocorrerá de forma mais fácil e produtiva.

   Frequentemente, as crianças que apresentam o Transtorno do Espectro Autista possuem comprometimento das funções executivas, relacionadas principalmente ao córtex frontal. Essas funções referem-se a várias habilidades, sendo algumas delas: planejamento, organização, atenção, memória operacional, flexibilidade mental, avaliação de consequências e resolução de problemas. Ao conhecer essas áreas de ineficiência, é possível selecionar com mais clareza as atividades que podem favorecer o desenvolvimento dessas habilidades.

   O trabalho de alfabetização com crianças autistas é bastante desafiador, pois nos tira, muitas vezes, da nossa “zona de conforto” ou daquilo que estamos acostumados a fazer. Acima de tudo, envolve muita persistência, paciência, afeto e disposição para ajudar. Em vários momentos, será preciso lidar com comportamentos inadequados, com a resistência ao aprendizado, pois as crianças tendem a querer fazer as coisas da sua maneira, sem interferências. Lidar com o erro, com as frustrações, com a ideia de que “tem gente que faz melhor do que eu” são grandes desafios para essas crianças. Muitas vezes, o alfabetizador se verá num papel extra, ou seja, de melhorar a condição da criança, ou seja, de auxiliá-la a lidar com as diversas situações da vida. E, que bom que as coisas aconteçam dessa forma, pois essa é a verdadeira função do educador!

Metodologia

   A pesquisa foi realizada por meio de observações de uma criança autista com a idade de sete anos, em uma Escola da Rede Municipal de Ijuí –RS- durante o primeiro trimestre de 2017, tendo como foco seu desenvolvimento, o  processo de alfabetização e as metodologias, ferramentas utilizadas pelos profissionais desta aluna neste processo.

   Foram utilizados como recursos pedagógicos as atividades escritas que a professora trabalhava em sala, jogos, brincadeiras, filmes, livros, letras, números, revistas, jornais, gravuras... Aos poucos, e em dias alternados, durante as atividades por meio de observações foi realizado registro de seu comportamento e atitudes diante  das solicitações.

Resultados        

   Por meio de observações e coletas de dados, foi constatado que a aluna possui grande capacidade de aprender aquilo que está sendo  trabalhado num 1º ano do Ensino Fundamental.

   Ela reconhece gravuras e logotipos e outros diversos símbolos que já é um tipo de leitura. Na sala de aula quando a professora fala sobre as letras, a aluna demonstra estar interessada e sabe do que está sendo discutido.

   Percebe-se que a forma de ensinar pelo método fônico parece ficar mais fácil para a criança, pois além do som das letras a professora faz relação do som com gestos corporais, ficando mais acessível para a aluna.

   Cabe salientar aqui, que nem sempre a aluna está disposta a realizar as atividades. Às vezes é preciso fazer adaptações sobre o que se pensa para ela naquele dia, pois o tempo de concentração muitas vezes é pouco. É necessário uma compreensão e um grande conhecimento do profissional que está atuando com ela. O professor precisa estar se aperfeiçoando constantemente e estudar sobre as dificuldades encontradas, para assim poder realizar trabalho consciente e eficaz. O desafio é grande para ser superado.

   Durante as observações percebe-se que a aluna reconhece as letras do alfabeto e as relaciona com os respectivos sons. Consegue fazer hipóteses de palavras, escreve seu nome, mas com nomes dos colegas ela precisa ajuda da professora..., porém durante a realização das atividades é preciso silencio absoluto, e mesmo assim muitas vezes não termina as tarefas propostas. Nestes momentos é oferecido materiais concretos, pois sabe-se que trabalhar com o abstrato fica difícil para qualquer criança.

   Cabe salientar que a aluna em alguns momentos é retirada da sala de aula, pois o barulho de seus colegas a incomoda e a mesma fica agitada, grita, faz estereotipias. É preciso acalmá-la e depois ela volta participar das demais tarefas ou até mesmo é necessário que volte para sua casa, pois não conseguimos acalmá-la.

   A aluna demonstra um entendimento bastante amplo sobre os numerais trabalhados. Consegue contar em sequencia, faz relação número/quantidade, mas isto quando ela demonstra o querer.

   É possível observar que ela gosta de diferentes jogos. Gosta de tudo muito colorido, mas é necessário repetir várias vezes para que ela entenda as regras dos jogos e ainda assim parece ficar com algumas dúvidas.

   Observa-se também que a música é também um instrumento válido durante a aula. Quando a aluna está calma movimenta-se e dança juntamente com os colegas da sala.

   É importante relatar que o aluno autista pode se incluir em muitas atividades da escola, mas em alguns momentos ele também se exclui, sendo necessária a intervenção por diversas vezes para que ela entenda que existem algumas regras a serem cumpridas na escola e isto é um dos problemas a serem enfrentados com esta aluna.

   A conversa com a família acontece constantemente, sobre seus avanços e suas dificuldades na escola.

   Por meio das observações e das bases teóricas científicas apresentadas neste artigo, fica claro que quanto mais apoiada for a criança por parte de profissionais comprometidos com seu desenvolvimento, maior chance terá em sucesso na aprendizagem. Fica evidente a possibilidade de desenvolvimento da criança, sujeito deste estudo de caso, com expectativas otimistas para construir a alfabetização, respeitando seu ritmo de assimilação e aprendizagem que varia de criança para criança.

   Frente a algumas atividades a criança com deficiências educacionais, no caso o autismo, certamente apresentará dificuldades em imaginar e compreender o que está sendo solicitado na tarefa, devido à característica de seu distúrbio. Porém o profissional da educação poderá utilizar recursos de apoio e estratégias que auxiliam a compreensão do aluno.

   A inclusão representa ganho para todos, tanto para aqueles que apresentam dificuldades como para aqueles que não apresentam. A diversidade em sala de aula pode servir de aprendizado significativo para toda a vida, pois a convivência com crianças com dificuldades despertará nos demais alunos a consciência de que somos diferentes e que cada um tem uma maneira de aprender. Por outro lado, para essas crianças conviver em ambiente regular de ensino proporciona um estímulo para que acompanhem o ritmo dos outros, seja imitando gestos, fala, atitudes, deixando de lado certas estereotipias, ou condenação de ter que conviver apenas com aqueles que possuem dificuldades.

   Para o desenvolvimento e aprendizagem de crianças autistas é fundamental a interação entre família, escola, terapeutas e médicos. A criança conseguirá superar as dificuldades desde que a equipe de profissionais possa programar ações conjuntas, sempre trocando informações.

   A matrícula e inclusão de crianças com deficiência é orientação presente e garantida no texto da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, LDBEN, nº 9394/96, entretanto muitas instituições educacionais dificultam o cumprimento da Lei, alegando comprometimento no espaço físico inadequado e/ou ausência de recursos humanos e profissionais capacitados no atendimento desses alunos.

   Claro que apenas incluir não é suficiente para as crianças, as necessidades vão além disto. É preciso proporcionar qualidade de ensino ao aluno e ter profissionais interessados e capacitados para isto.

   A inclusão é uma realidade que assusta muitos profissionais da área educacional, por diversos motivos como: preconceito, despreparo, insegurança, dificuldade de interação com esse aluno. Enfim são muitos os desafios a serem superados.

   A tendência atual é que formações com temas relacionados à inclusão, sejam contemplados pelos currículos, possibilitando ao aluno um olhar mais reflexivo e sensível por parte do professor.

Conclusão

   Por meio dos resultados obtidos, das observações realizadas, conclui-se que cada criança tem um ritmo de aprendizagem, e mesmo apresentando dificuldades na aprendizagem são capazes de aprender. Fica evidente a importância dos estímulos tanto no ambiente escolar como em casa com a família. A competência dos profissionais especializados e o acompanhamento das terapias servem como apoio e orientação para a escola e a família.

   A convivência do aluno com deficiência em escola regular representa um ganho para todos, porém torna-se essencial que professores se apropriem de fundamentação teórica sólida para posterior transposição para prática pedagógica, pela interação teoria e prática para atender a necessidade de seus alunos. A possibilidade de aprender a ler e escrever é uma grande conquista e temos certeza que alfabetizar é possível, mesmo com crianças autistas.

   Apesar de ainda não existir uma metodologia formal exclusiva para a alfabetização de crianças com transtornos globais do desenvolvimento, acreditamos que muitas delas podem aprender a ler e a escrever. O processo de ensino, porém, leva tempo e o resultado é variável, de acordo com o perfil neuropsicológico da criança.

   Um ambiente estruturado é fundamental para iniciar qualquer trabalho pedagógico, especialmente de alfabetização.    As crianças com autismo costumam ser mais suscetíveis a mudanças no ambiente, sentindo-se mais seguras em contexto organizado e previsível.

   Os recursos visuais, muito mais do que os auditivos, auxiliam bastante a compreensão e adesão das crianças ao trabalho.  Como elas apresentam tendência à dispersão, é importante oferecer atividades de curta duração, com instruções visuais e orais objetivas, atreladas ao lúdico e conteúdos do seu interesse.

   É importante que o professor seja realista quanto às dificuldades de seu aluno especial, mas deve ser incentivada, e, se necessário, estimulada, por meio de algumas estratégias. Uma criança autista não é simplesmente uma criança menos desenvolvida que as demais, apenas se desenvolve de forma diferente. É preciso estar disponível e atento, devendo intervir de modo a favorecer a atenção, a motivação e também o acolhimento.

   Na escola o educador terá que assumir sempre uma postura de calma, transmitindo segurança e controle da situação. O elogio e a atenção são excelentes armas para a obtenção de comportamentos positivos. O professor deve promover interações das crianças autistas com outras crianças do ensino regular. A forma de mediar a aprendizagem, a arte de ensinar, os procedimentos, os métodos e as técnicas vão depender da busca do educador, em suas leituras. A aprendizagem é possível acontecer com todas as crianças, mas é preciso família, escola e profissionais estarem engajados nesta busca.

Referências bibliográficas

ROTTA, N T., BRIDI, C. A. F., BRIDI, F. R. S. Neurologia e Aprendizagem: abordagem multidisciplinar. Porto Alegre: Artmed, 2016.

SALLES, J. F., HAASE, V. G., MALLOY-DINIZ, L. F. Neuropsicologia do Desenvolvimento. Porto Alegre: Artmed, 2016.

WILLIAMS, C. ; WRIGHT, B. Convivendo com Autismo e Síndrome de Asperger: estratégias práticas para pais e profissionais. São Paulo: M. Books do Brasil, 2008.

Fabiana Boff Grenzel

Professora da Rede Municipal de Educação de Ijuí/RS - Licenciada em Letras pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - Unijuí- Pós Graduada em Interdisciplinaridade pela Facipal.

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