Custei um pouco a atinar sobre o movimento dos motoristas de caminhão, mas a inserção no meio deles não foi difícil, sou filha de caminhoneiro e conheço a “pauta” da estrada, as coisas boas, a boa comida, as agruras, as esperas, o companheirismo, as angústias, a saudade, as contrariedades. Claro, havia uma vantagem para mim: fui professora de ensino médio de muitos motoristas ou de suas esposas, aliás, elas foram um “espetáculo” a parte: solidariedade em alto nível!
Procurei ser presença da professora, da cidadã, da cristã. Sentei, ouvi, aconselhei, ouvi de novo, por vezes, silenciei. Para mim, em todos os momentos, a palavra era acolhimento. Havia homens longe de casa, havia homens que tinham deixado os seus respectivos caminhões distantes de casa para estarem próximos da família. E havia tantas crianças felizes com a presença dos pais perto de casa – eu não sei você, mas nós, filhos de caminhoneiros, passamos dando adeus a nossos pais, todos os dias, todas as semanas; tê-los por perto por um ou dois dias constitui uma “festa”.
Alguns motoristas, durante os dias de paralisação, foram dissuadidos de sua defesa da pauta política, entenderam que não se devia postular uma intervenção militar; outros, não. Eu resolvi não discutir, escutei. Escutei as análises sobre a variação do preço do óleo diesel, da saca de arroz, do rodado do caminhão e verifiquei que, ao contrário do que dizem, motoristas de caminhão não são alienados; ouvi considerações sobre uma aberração que eu desconhecia: a cobrança de pedágio sobre o eixo suspenso, aquele eixo que não roda sobre a rodovia quando o caminhão está vazio. Não quero romantizar a paralisação, mas avalio que o estatuto da greve, tantas vezes banalizado, principalmente, pelos funcionários públicos, foi resgatado. Convenhamos, isso foi um grande ganho. Da pauta profissional, os caminhoneiros saíram vitoriosos. Da pauta política, ainda bem, saíram vencidos.
Considero, por outro lado, que o governo escrachou o que sabíamos: não tem credibilidade, não tem qualidade para gerir o país. A grande diferença, parece-me, veio do povo. Em setembro passado, eu escrevi um artigo opinativo sob o título de “Triunfo da ignorância”, torceram-me o nariz, quero crer que a disseminação de “fake news”, a demonização de alguns órgãos de comunicação e a absoluta falta de conhecimento expressa em postagens nas redes sociais, corroboraram a minha tese naquele artigo. Foi sofrível ler o comerciante da minha cidade, que se acha líder intelectual, querer “provar” que a alíquota de ICMS sobre o óleo diesel no Rio Grande do Sul é 30%, quando ele mesmo apresentava argumentos que evidenciavam que a alíquota é 12%.
O maior inimigo do povo brasileiro é o povo brasileiro. Feita a constatação, é hora de remover os escombros e engendrar formas de superar esse drama chamado analfabetismo funcional – “eu não leio, dá sono!”; analfabetismo político – “política é coisa de desocupado!”; analfabetismo econômico e essa imensurável preguiça que caracteriza boa parte do povo brasileiro, com honrosas, dignas, louváveis exceções.
Professora Elaine dos Santos
Doutora em Letras / Palestrante
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