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Gente, para que “tá” feio!

Por, Prof. Dra. Elaine dos Santos

Matéria Publicada em: 27/06/2018

 

  O grande poeta português Fernando Pessoa (1888-1935), julgando-se incapaz de expressar o mundo por si mesmo, criou diversos heterônimos (autores fictícios que possuem personalidade, ou seja, um autor – o ortônimo – assume outras personalidades ficcionais), entre eles, os mais conhecidos são Álvaro de Campos, Alberto Caeiro e Ricardo Reis. Há, porém, um heterônimo pessoano que não possui tanta notoriedade, mas que cunhou uma frase lapidar: “Minha pátria é minha língua”. Trata-se de Bernardo Soares.

  Considero que, sim, uma das formas de entender-me parte de uma pátria é a língua, a mesma língua de Pessoa, Camões, Eça de Queirós e Saramago, os grandes literatos portugueses, portanto, a língua que nasceu na antiga Península Hispânica, sofreu o influxo de celtas, iberos, turdetanos e, mais tarde, foi enriquecida com as invasões de romanos, bárbaros (godos, visigodos, ostrogodos), árabes. Porém, nascida no Brasil, expresso-me na mesma língua de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, e que traz a tez parda do aborígine (impropriamente chamado índio) e a pele negra do africano (em particular bantus e sudaneses). Hoje em dia, poucas pessoas conseguem expressar-se em língua portuguesa culta, aquela que nos dá identidade e que nos difere de hispânicos, anglo-saxões, fazendo-nos um povo único, ímpar no mundo. Soberano! Porque, afinal, a soberania não é dada apenas pela defesa armada das fronteiras terrestres, aéreas e marítimas, tornamo-nos escravos também quando perdemos a nossa identidade cultural e nos deixamos invadir por costumes e tradições estrangeiras/estranhas, que nos subjugam.

  Em se tratando de costumes “estranhos”, a primeira bola do “foot-ball” inglês chegou ao Brasil em 1894 e o esporte bretão encontrou terreno fértil para desenvolver-se em terras tupiniquins, neste caso, houve uma assimilação não traumática daquele esporte. Já fomos considerados o “país do futebol”, afinal, entre 1970 e 1982, reinamos supremos como o único país tricampeão do mundo de futebol. Entre 1994 e 2006, fomos o único país tetracampeão do mundo de futebol e ainda somos o único pentacampeão.

  Cresci ouvindo que o grande diferencial do futebol brasileiro era os seus jogadores “estrela”, homens que passavam uma partida inteira apenas “apanhando” dos adversários, “chamando a marcação” para que os seus companheiros pudessem jogar, alinhavar jogadas e, se possível, marcarem gols, mas, esses mesmos jogadores “estrelas”, em geral, franzinos, muito maleáveis, com excelente desenvoltura, sempre foram capazes de, em um único lance, desestabilizar uma partida a favor da equipe brasileira, fazer o gol. Eu vi jogadores como Zico e Romário serem ostensivamente contestados por suas quedas recorrentes, afinal eram “caçados” pelos adversários; eu lembro as histórias hilárias sobre as fugas de Romário durante a Copa de 1994 e a consequente vigilância imposta a Dunga, o seu companheiro de quarto. Quando o narrador global gritou “É tetra”, o país explodiu em alegria e tudo isso foi esquecido. Éramos, de novo, o país do futebol, esquecíamos a nossa cisma com Romário, esquecíamos a inflação alta que, paulatinamente, se estabilizaria com o Plano Real nos anos seguintes.

  A pergunta que me martela nos últimos dias: por que as pessoas confundem a estrutura (que sempre existiu) e a conjuntura adversa do país com a presença do selecionado verde-amarelo na Copa do mundo? Que culpa Neymar tem com relação aos nossos problemas político-administrativos, socioeconômicos? Por que essa ânsia em culpabilizá-lo, responsabilizá-lo se eu, como usuário da língua portuguesa, recorro a “palavrões” para me referir a ele mesmo, ao governo, ao vizinho? Por que apontar o “rabo alheio” e sentar em cima do próprio rabo: pago os meus impostos em dia; uso roupa estrangeira produzida por pessoas em condições laborais análogas ao trabalho escravo; aproprio-me inadequadamente de valores ou produtos que não me pertencem? E se Neymar e seus companheiros vencerem a Copa da Rússia, eu sairei à rua para festejar? E como me comportarei no processo eleitoral que vem na sequência? Rica em vocábulos e expressões, a língua portuguesa está sendo usada sem moderação, sem reflexão e, infelizmente, produz aberrações vergonhosas para pessoas que, nas redes sociais, tentam criar “personas”, “avatares” que, sabidamente, não correspondem ao seu comportamento no mundo off line. Gente, para que “tá” feio!

Professora Elaine dos Santos

Doutora em Letras

Contato e.kilian@gmail.com

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