(Fabiane Schott e Giulia Martill)
Divulgado amplamente esta semana via redes sociais e outros meios de comunicação, um fato ocorrido em nossa região gerou grande impacto e indagação à população. O caso envolvendo uma mulher de 25 anos, vítima de tentativa de feminicídio em Venâncio Aires, que sobreviveu , após ter sido alvejada por 5 disparos, efetuados por seu namorado na época. O caso obteve repercussão visto que a vítima após o julgamento beijou e abraçou seu ex-companheiro no tribunal, deixando todos os presentes perplexos, manifestando inclusive seu desejo em prosseguir no relacionamento com ele, e culpando-se pelo ocorrido na época.
Ademais, reportagens registraram diversas falas em que a vítima demonstrava afetividade para com seu agressor, como frases em que a vítima relata “Daqui em diante vamos conversar, tentar se acertar, ter a nossa casa, casar e construir o nosso próprio negócio" e "De todos os homens que eu tive, foi um dos melhores...". Questionamentos e indignações surgiram diante desta situação. Terá a jovem se tornado ré dos julgamentos alheios após essa atitude, uma vez que zomba da justiça que tenta protegê-la e das regras para este tipo de crime? Mas, afinal, por que ela teria agido de tal maneira? Diante desse caso, surgem diversas questões, dentre elas está: qual o viés psicológico dessa sujeição por parte da vítima?
Vários fatores podem desencadear esse tipo de comportamento. É necessário avaliar diversos aspectos psicológicos, desde conhecer a dinâmica familiar da vítima durante a infância, seus esquemas cognitivos, suas necessidades afetivas e identificar possíveis transtornos associados a este comportamento. Uma das possíveis razões para a vítima apresentar esta conduta poderia estar relacionada à Síndrome de Estocolmo, a qual é caracterizada por um estágio psicológico decorrente de eventos/situações de estresse, tensão e medo, originado por vezes, em ocasiões onde a vítima é maltratada/torturada, e em resposta de defesa, por vivenciar todos os medos, frustrações e anseios dentro da situação, passa a criar afeto pelo seu agressor.
Este sentimento surge pela própria situação experienciada pela vítima, que passa a acredita que para sobreviver ela precisa acatar todas as regras impostas pelo seu agressor para conseguir sair daquela situação da forma menos pesarosa possível .A vítima inconscientemente entende que se obedecer as regras do agressor, poderá evitar comportamentos que o desagrade, ou seja, ela tenta criar um ambiente com menos conflito e pavor, ao se sujeitar a ele, para que ele se sinta também confortável com aquela situação. Na visão da vítima, ela estar bem e viva, deve-se ao fato de o agressor estar lhe protegendo e não querendo seu mal. O instinto de sobrevivência humana como mecanismo de defesa originaria esse afeto.
A última fala da vítima evidenciada ao final do primeiro parágrafo, "De todos os homens que eu tive, foi um dos melhores..." viabiliza a conclusão de que há além de um grande desgaste psicológico, a conformidade com o que faz mal à ela, devido as relações amorosas anteriores em que ocorreram violências psicológicas que não foram curadas e resultaram no gradativo decaimento de sua autoestima, a ponto de algo que é brutal aos olhos da população, ser algo aceitável e até mesmo banal aos olhos dela.
Em suma, o comportamento da vítima perante seu agressor nessa situação nos remete também ao Transtorno de Personalidade Dependente, onde o indivíduo que está nessa circunstância psicológica busca desenfreadamente a aprovação de outrem, a fim de jamais se encontrar sozinho submetendose assim à diversas ações autoagressivas, e muitas vezes deixando também de demonstrar seus sentimentos e realizar suas vontades. As pessoas que possuem personalidade dependente podem tornar-se frustradas já que sentem-se no dever de fazer coisas que não querem ou sentem que não devem expressar seus sentimentos.
Em resposta ao questionamento do título, as mulheres que amam demais, segundo o livro de autoria de Robin Norwood, seriam aquelas cujos aspectos psicológicos possuem padrões inadequados de relacionamentos, que podem envolver as relações familiares e/ou afetivas. O livro apresenta 11capítulos que relata casos sobre mulheres que amam homens que as maltratam fisicamente e principalmente, emocionalmente. As mulheres que amam demais vêm de um lar desajustado em que suas necessidades emocionais não foram satisfeitas, onde as emoções e sentimentos foram negados ou ignorados à elas, ao invés de aceitos ou validados.
Entre os diversos assuntos abordados no livro, um em especial aponta fatos acerca de mulheres com esse perfil que manifestam o desejo em ser necessárias (fundamentais/ indispensáveis) na vida de um homem,estas mulheres apresentam autoestima diminuída, e se sujeitam a permanecer com homens que as fazem sentir responsáveis por eles. Em cada capítulo são descritos relacionamentos prejudiciais, em que as mulheres na tentativa de suprir carências vindas de relacionamentos passados se sujeitam aos homens, ainda descreve o que leva uma mulher escolher e ficar com alguém que a faz sofrer.
Por fim, o ocorrido nos trás um alerta direcionado à nossa saúde mental: a violência psicológica é demasiadamente presente em diversas relações afetivas em nossa sociedade, e por questões culturais essa agressão é majoritariamente voltada ao sexo feminino. Os ataques que ferem os indivíduos psicologicamente, requerem urgentemente de maior atenção por parte da população já que por ser uma forma subjetiva de agressão muitas vezes é relevada ou negada, mas ainda assim trazem consequências gravíssimas para a vítima.
Fabiane Schott
Psicóloga Especialista em Psicologia Jurídica
Giulia Martill
Acadêmica do 3° ano do Ensino Médio. Avalição Psicológica