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Brasil, brasileiro

Por, Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 05/06/2020

Na carta ao rei Dom Manuel de Portugal, em que relata o “achamento” do Brasil, Caminha encanta-se com o povo aqui encontrado, com a nudez e a ausência da noção de pecado, com a beleza e a força dos corpos, com as cores das tintas e penas que os ornamentavam. Os aborígines, impropriamente chamados índios, que tão docilmente receberam os portugueses, ensinando-lhes, inclusive, o salutar hábito do banho diário, são a base, a gênese da nossa gente.

Os portugueses, que haviam sido colonizados por lusitanos, iberos, celtas, romanos, vândalos (godos, visigodos, ostrogodos, suevos, povos de origem germânica, vocacionados para a guerra), árabes, enviaram para o Brasil, a princípio, navegadores, aventureiros e, claro, prostitutas. Na sequência, vieram os degredados – homens condenados à morte ou à prisão, que, para evitar o excesso de presidiários nas penitenciárias, eram sentenciados ao desterro. A situação tornou-se tão insustentável que os jesuítas, a partir de 1549, além de catequizarem os índios, vieram para cá destinados a moralizar os costumes, promover casamentos, batizar crianças sem pai “oficial”.

Castro Alves narra poeticamente a história da legião de homens negros como a noite que, “caçada como bicho”, cruzava o mar para trabalhar no Brasil. Cumpre sempre lembrar que, desde a Grécia antiga, o trabalho braçal é considerado indigno para o “homem de bem”, sendo, pois, relegado ao escravo. O poeta ainda questionava que país emprestava a sua bandeira àquela barbárie. Uma lei assinada por uma princesinha que não se responsabilizou com as consequências do seu gesto concedeu uma suposta liberdade para essa população, que vagou pelas estradas e voltou para as fazendas, para as senzalas, para o trabalho.

A Escola de Recife, capitaneada por Silvio Romero e Nina Rodrigues, naquele tempo, já defendia o “branqueamento da raça” e, dentro dessa política, ao mesmo tempo em que continuavam considerando indigno trabalhar, os administradores do nosso país “importaram” trabalhadores de países europeus. Em 1902, Graça Aranha, em “Canaã”, trouxe, pela primeira vez, o tema da imigração para as páginas da Literatura – a rejeição dos imigrantes entre o povo “comum” do Brasil, a inadequação de alguns imigrantes ao país e a tentativa de acomodação aos costumes locais. Em 1939, Vianna Moog, no Rio Grande, começava a tematizar o mesmo assunto e, dez anos depois, as “espigas loiras” apareciam como amásias do Capitão Rodrigo Cambará em “O tempo e o vento”. Em 1982, a Literatura gaúcha contemplaria, com sucesso, “O quatrilho”, a história verídica da troca de casais. Moacyr Scliar, Milton Hatoum, Salim Miguel dariam voz ao mundo “dos turcos”, essa horrenda denominação genérica que se concede a sírios, libaneses, egípcios, ucranianos, romenos.

Somos, enfim, um país mestiço, de origem humilde, “vindo de baixo”, fruto do trabalho de muitos; a esmagadora maioria da nossa população não é – nem de muito longe – detentora do grande capital que move o mundo; fomos, invariavelmente, expostos ao preconceito em alguma etapa de existência de nossos ancestrais. Falamos “elado”, falamos “caróssa”, falamos “ladrón” e isso não nos faz nem mais, nem menos, apenas um povo heterogêneo, cheio de diferenças, mas que, até dias atrás, orgulhava-se do “auriverde pendão da minha terra / que a brisa do Brasil beija e balança / Estandarte que a luz do sol encerra / E as promessas divinas da esperança...”, ainda que esta mesma bandeira carregue o sangue de muitos – bravos ou não.

Elaine dos Santos

Professora Doutora

Autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro itinerante”

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