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Somos apenas humanos

Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM)

Matéria Publicada em: 16/05/2022
Elaine dos Santos | Professora Doutora em Letras (UFSM).

Conversava, hoje cedo, com um amigo que reside no norte de Mato Grosso. Como qualquer conversa banal, iniciei comentando sobre “frio de renguear cusco” e ele disse-me que, por enquanto, ainda estava “em manga de camisa”, mas que se avizinhava uma “friaca” de dez graus. Eita, que baita frio!

A nossa conversa, claro, enveredou pela diversidade que compõe o nosso país: clima, tipo de solo, produtos cultivados, hábitos alimentares, vestimentas, crenças sob influência popular, tradições etc.

Como professora de Literatura, acabei referindo o esforço dos poetas e prosadores do Romantismo, cujas datas fixadas pela tradição são 1836 (para início) e 1881 (para término), para a definição de uma identidade nacional. Especialmente, José de Alencar esmerou-se na busca pela demarcação daqueles caracteres que nos diferenciariam em relação a Portugal, a metrópole da qual recém havíamos nos emancipado: o habitante nativo, o índio, representado por Peri, em O guarani, e Iracema, no romance homônimo, mas também pela vigorosa natureza.

Alencar, além disso, procurou fixar os tipos regionais: o sertanejo, o gaúcho são os dois mais conhecidos. Quem lê um, leu o outro. A abertura do seu romance O gaúcho nada mais é que a descrição de uma rica praia nordestina. Aliás, sempre é bom referir que a publicação de O gaúcho provocou revolta entre escritores gaúchos, integrantes da Sociedade Partenon Literário em Porto Alegre, afinal, segundo eles, gaúcho não monta égua, como Manoel Canho, o protagonista de Alencar, montava a égua Morena. Em razão disso, Apolinário Porto Alegre teria escrito O Vaqueano para “corrigir os erros alencarianos” sobre o verdadeiro gaúcho.

O movimento modernista de 1922 tentou superar essa ideia de um Brasil único, idêntico, mas, entre nosso povo, parece que, por vezes, a concepção de que somos todos iguais permanece, a par do preconceito, por exemplo, com “os catarinas”, como reza a piada: “deram duas tartarugas para um catarina cuidar, uma das tartarugas fugiu”, o que, vergonhosamente, faz crer que quem nasceu em Santa Catarina seria mais lento que os demais brasileiros ou ainda aquela coisa horrorosa que alguns entre nós dizem que nordestinos não trabalham, apenas fazem festa. Como somos capazes de julgar a nossa própria gente!

Trouxe essa reflexão para enfatizar as dificuldades que temos para lidar com o diferente. Desconhecemos exatamente as diferenças entre aqueles que nasceram sob a mesma bandeira pátria que nós, que moram nos mais diversos rincões do país, muitas vezes sem acesso à energia elétrica ou água potável, com estradas de péssima qualidade, porém, estamos ávidos para taxá-los como preguiçosos, burros, violentos. Como faz falta uma educação mais inclusiva, em uma sociedade mais tolerante com aqueles que são filhos da mesma pátria. Como perdemos tempo ao odiar venezuelanos, senegaleses, haitianos, ao mesmo tempo, em que nivelamos todos os seres humanos numa régua por baixo, apenas porque não tiveram a “sorte” de nascerem “no verde pampa”, sob esse clima que Auguste Saint Hilaire, o mais importante viajante francês do século XIX, definiu como impossível à vida, porque, afinal, abriga as quatro estações do ano em 24 horas, mas nós teimamos e, agora, começa o período implacável das rinites, sinusites, amigdalites.

Elaine dos Santos

Professora Doutora em Letras (UFSM)

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