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Criminalista contesta notícia do JM sobre cão baleado por brigadianos no Osvaldo Aranha

Em nota, o advogado Guilherme Kuhn diz que a notícia publicada na página virtual do Jornal da Manhã e no Facebook do Grupo JM não traz a realidade dos fatos.

Matéria Publicada em: 30/09/2020
Advogado Guilherme Kuhn lamenta a notícia que chama de única, a favor de PMs. Fotos: Reprodução.

Após notícia publicada na internet pelo Jornal da Manhã (JM), nessa terça-feira (29), advogado solta nota contestando as informações de que mulher foi presa no bairro Osvaldo Aranha durante incursão da Brigada Militar, que resultou em um cão baleado.

Nota

Nesta data (29/09/2020), terça-feira, fui surpreendido com a divulgação de uma reportagem, noticiando que:

“Brigadianos foram atacados por dois Pitbulls ao tentar prender um homem foragido da justiça e condenado por 18 anos pelo crime de estupro. A guarnição do Policiamento Ostensivo visualizou o indivíduo entrando em uma residência na Avenida 21 de Abril, no chamado Beco do Bairro Osvaldo Aranha. Quando tentaram adentrar no local, a proprietária da casa, e ex-mulher do homem, soltou os cães para atacarem os policiais. Ao se defenderem do ataque, os brigadianos dispararam contra os animais, sendo que um deles foi atingido na boca. O foragido conseguiu escapar e a mulher acabou presa, sendo conduzida à Delegacia de Polícia Civil, e irá responder pelo crime de favorecimento (matéria divulgada pelo Grupo Jornal da Manhã).”

Pois bem. É na qualidade de Advogado desta mulher que venho, neste espaço, em homenagem ao direito constitucional de resposta (art. 5º, inciso V, da CF) e, com base nos direitos fundamentais ao contraditório e ampla defesa (art. 5º, inciso LV, da CF e art. 8.2 da Convenção Americana de Direitos Humanos), esclarecer os fatos, nos seguintes termos:

1. É preciso ter cuidado, mas muito cuidado, com “histórias únicas”. Aprendi isso com Chimamanda Ngozi Adiche (2019), pois, a histórica única “cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com uma história se torne única história. (...) sempre senti que é impossível se envolver direito com um lugar ou uma pessoa sem se envolver com todas as histórias daquele lugar ou daquela pessoa. A conseqüência da história única é esta: ela rouba a dignidade das pessoas.”

2. Não pretendo, neste espaço, realizar debates e tampouco discussões jurídicas, afinal, a mídia não é o espaço apropriado para tanto. Entretanto, considerando o teor inverídico da reportagem divulgada, algumas observações, mesmo que jurídicas, fazem-se imprescindíveis.

3. A reportagem já iniciou de forma completamente equivocada. O sujeito referido na reportagem, que está foragido da justiça, não cumpre pena pelo crime de estupro (como foi divulgado), sequer cumpre pena de 18 anos de prisão (como também foi divulgado). Ao contrário: ele cumpre pena por furto, sendo a pena de 2 anos e 8 meses (e não de 18 anos!), e, recentemente, de fato, foragiu do sistema prisional. Logo, cuidado com as histórias únicas, elas podem começar, simplesmente, de forma completamente equivocada.

4. Os policiais militares, que estavam no exercício de suas funções, alegam que teriam visto este sujeito, foragido, supostamente ingressar na residência, onde, após, ocorreram os disparos de arma de fogo em direção ao(s) cachorro(s). Entretanto, a Defesa demonstrará que esse sujeito, foragido, jamais esteve na residência da investigada. Inclusive, existem testemunhas que estavam no local.

5. A investigada jamais soltou os cachorros em direção aos policiais militares, o que se pretende demonstrar nos autos da Investigação, inclusive, com declarações testemunhais e vídeos colhidos das declarações dessas pessoas;

6. A Defesa lamenta os desnecessários disparos de arma de fogo realizados contra um cachorro, que foi atingido, aparentemente, por dois tiros (a princípio, na região do focinho e do pescoço). Segundo será esclarecido, o cachorro estava apenas latindo para os policiais, não se justificando uma ação extrema e desproporcional destas.

7. As condições e circunstâncias da abordagem não serão discutidas neste espaço, senão serão analisadas/discutidas em espaço próprio (a fim de averiguar a legalidade ou ilegalidade dos atos).

8. Foi mencionado na reportagem que a “mulher”, no momento dos fatos, “acabou presa, sendo conduzida à Delegacia de Polícia Civil.” Novamente, isto não ocorreu. A mulher, que neste espaço chamamos de investigada, NÃO FOI PRESA e, muito menos, CONDUZIDA pelos agentes policiais. Ao contrário: indignada com os fatos, a investigada entrou em contato com este Advogado, que compareceu na residência dela e documentou toda a situação. Após ultrapassado considerável lapso de tempo, por livre e espontânea vontade, foi a própria investigada que compareceu, livremente, à Delegacia de Polícia, acompanhada de seus Advogados, justamente para registrar ocorrência policial contra a atuação dos agentes públicos.

9. A investigada não foi presa em sua residência. A investigada não foi conduzida à Delegacia de Polícia. Foi ela quem compareceu, espontaneamente, para comunicar os fatos e solicitar providências das Autoridades competentes. Para além da existência de vasta prova testemunhal, há também uma gravação que evidencia isso. Ademais, quando chegou na Delegacia de Polícia, não havia mais nenhuma situação apta a caracterizar o estado de flagrante delito, pois, somente se considera em flagrante delito quem (art. 302 do Código de Processo Penal):

“I – está cometendo a infração penal;

 II – acaba de cometê-la;

III – é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração;

IV – é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração.”

Evidentemente, quando compareceu na Delegacia de Polícia, sem ser perseguida, por livre e espontânea vontade, acompanhada de seus Advogados, a “mulher” não estava em nenhuma destas condições. Não há que se falar, assim, em prisão em flagrante.

10.  Ao contrário do que se referiu na reportagem, a investigada não é ex-companheira do homem foragido. Ela é companheira dele e não sabe do seu paradeiro.

11. Não há que se falar na prática do crime de favorecimento pessoal por parte da investigada, bem como em qualquer outro delito, o que será demonstrado com tranqüilidade no desenvolver dos trabalhos; e

12. O cachorro, atingido por dois disparos de arma de fogo, está necessitando, com urgência, de cuidados profissionais. Portanto, a partir desta nota, esperamos que alguma alma, porventura, sensível, possa entrar em contato para orientar/prestar os atendimentos médicos ao cachorro, antes que ele venha a óbito. Seus donos, até o presente momento, estão à procura de alguém que possa ajudá-los (são pessoas de poucos recursos financeiros). O contato pode ser feito comigo, através do telefone (55) 99145 – 2997, inclusive por WhatsApp.

Consigna-se, mais uma vez, que a nota Defensiva fora lançada no exercício da profissão, almejando esclarecer os fatos e efetivar não somente o direito constitucional de resposta, como também os direitos de defesa.

Registre-se, também, que as fotos do animal atingido não serão divulgadas, porquanto trágicas e desnecessárias; serão juntadas apenas nos autos do expediente investigativo.

Tenham cuidado, muito cuidado, mas muito cuidado mesmo com a história única: ela retira a dignidade das pessoas.

Guilherme Kuhn,

Advogado Criminalista,

OAB-RS n.º 109.755

Twitter | Repórter Abel Oliveira

Imagens/fotos e vídeos: Abel Oliveira / Cópias não autorizadas - Lei nº 9.610/98.

 

Seiko DDD